A saga de uma cólica renal – Eu sei o que vocês fizeram na cirurgia passada! – Nova Temporada
Caros leitores, creio que essa minha saga já virou uma franquia e ao melhor estilo de uma franquia de terror, resolvi parodiar a saga Eu sei o que vocês fizeram no verão passado.
Mas e a vida? A vida é uma caixinha de surpresas e eis que numa bela madrugada de sono você acorda com a sensação de que um trator acabou de passar por cima das suas partes e se levanta da cama com medo de que, da cintura para baixo, seu corpo tenha sido desmembrado. E assim começou mais um episódio da nova temporada.
Foram mais ou menos umas quatro cólicas mais fortes, daquelas que te obrigam a ir para o hospital. Perguntas de rotina:
– O senhor já teve cólica?
– Várias
– Onde dói?
– Tirando o cabelo que eu não tenho, tudo.
– É, é cólica renal.
Nesse momento tenho cada pensamento, mas enfim, beleza.
– Alergia a algum medicamento?
– Não, na verdade eu tenho alergia a dor, dá para mandar logo um coquetel com todos os medicamentos possíveis!?
Isso se repetiu umas quatro vezes, até que, diante do quadro que não melhorava e pelo fato de já estar menstruado há quase um mês, resolvi procurar a clínica de sempre. Você leu certo, eu falei menstruado mesmo, porque era a sensação que eu tinha todas as vezes que fazia um inocente xixizinho, afinal, era tanto sangue, mas enfim, vamos em frente.
– Pois não, senhor André.
– Cólica.
Nesse caso, bem monossilábico mesmo, afinal, só quem já teve cólica renal sabe o quanto é confortável conversar. Esse é um bom teste de autocontrole, pois a vontade é a de sair socando todo mundo que te pergunta se está doendo muito, mas como isso é feio, vamos de autocontrole.
– Já teve outras, certo? Estou vendo aqui que o senhor já fez até cirurgia.
– Sim
– Vamos examinar, por favor, deite-se ali.
– Aperta daqui, aperta dali e eu contando até um milhão para não ter um reflexo condicionado e mandar um soco na cara do médico.
– Vamos fazer um tomografia e ver o que vai ser necessário.
Ai começa um episódio a parte, a tomografia. Já no laboratório, vira-se o enfermeiro:
– Para fazer esse exame o senhor precisa estar com a bexiga cheia, tudo bem?
– Já estou, faz umas quatro horas que não vou ao banheiro. Quem já teve cólica renal sabe que sua bexiga está eternamente cheia. Sabe quando você acorde pela manhã, com a impressão de que ela vai explodir? É assim o tempo todo!
– Mas para garantir é melhor o senhor tomar mais uns quatro copos de água e mais uns dez minutos eu já chamo.
– Já que é para garantir, tomei logo mais sete copos e o querido técnico demorou 50 minutos para me chamar. A essa altura, tinha certeza de que eu precisaria de duas cirurgias, uma para tirar o cálculo e outra, para reconstruir a bexiga, que já deveria ter explodido.
Finalmente vem uma enfermeira, toda educada e me chama. Fico feliz, finalmente agora vai! Mas não, fui para outra sala onde veio mais um questionário com todas as perguntas de rotina e o pedido para eu aguardar, que ela estaria arrumando a sala e já me chamava.
Depois de mais uns vinte minutos, pronto, finalmente exame feito e já posso “aliviar a bexiga”, como se ela ainda existisse. Agora era só aguardar umas duas horas pelo resultado e voltar ao médico.
Volto para pegar a tomografia e a atendente vai buscar o exame com o médico, que estava emitindo o laudo. Chegou e perguntou:
– O senhor está com cólica, certo?
– Sim, estou.
– É, pelo tamanho da sua pedra aqui, imaginei.
Senti até um frio, afinal, se a atendente tinha visto a pedra na tomografia, creio que já não era mais só uma pedra, já tinha mudado de categoria e agora era um sedimento vulcânico ou uma formação rochosa.
Voltando ao consultório.
– O senhor está com um pedra relativamente grande e começou a dar todas as características técnicas dela.
Fiquei imaginando que ela foi muito bem feita, praticamente uma obra prima, pena que não serve para nada além de me causar dor! Depois, o nobre doutor começou a me explicar as minhas opções, que aos meus ouvidos soavam mais ou menos assim: o senhor pode optar pela cadeira elétrica ou pela forca. A forca eu não recomendo porque é um procedimento dolorido e pode ser que não mate logo e, se isso acontecer, nós vamos ter que pegar o senhor, já meio morto, e colocar na cadeira elétrica, para acabar de matar.
– A escolha é sua, o que o senhor prefere?
– A guilhotina! Creio que seja bem mais rápida e eficiente. Mas como não era uma opção válida, voltei à realidade e optei pela cadeira elétrica. Já que tinha que ser, vamos lá.
– O senhor já fez esse procedimento, né?
– Sim, doutor, já fiz.
Notei aquela cara do tipo, “bom, já que o senhor já fez, nem vou tentar dourar a pílula, porque não vai funcionar”. E eu penso “é, eu sei o que vocês fizeram na cirurgia passada”.
– Vou fazer a sua guia de internação, o senhor já vai para o quarto e amanhã fazemos o procedimento.
A noite, já no quarto, umas três enfermeiras diferentes vieram falar comigo, todas com algumas perguntas e explicações sobre o procedimento. Nada a reclamar, pelo contrário, acho super importante o paciente ter plena consciência do que vai acontecer e como será, mas algumas perguntas me fizeram ter um déjà-vu.
– Seu peso e altura?
Novamente eu me senti na frente de um papa defunto, só faltou ela tirar uma fita métrica e começar a tirar minhas medidas. Respondi a mais umas quinhentas perguntas e pronto.
Outra coisa muito “interessante”, foi a caça às veias. Todas resolveram estourar e a enfermeira chamou outra, que chamou a responsável pelo plantão, que fura daqui, fura dali e nada. A essa altura eu já estava tranquilizando as enfermeiras, até porque, se elas ficassem agitadas vai saber onde resolveriam achar uma veia, então, calma, respira fundo, é assim mesmo, mas vai dar certo.
– Peguei, gritou uma.
Imediatamente parei de respirar, com medo de que o movimento do diafragma fizesse a veia estourar também. Felizmente não aconteceu.
No outro dia, já as cinco da manhã, começam os preparativos para a execução, digo, operação. Depois de algumas horas escuto uma maca vindo pelo corredor e já imagino que minha hora tinha chegado, e tinha.
Com aquele bom humor insuportável e irritante, as duas entram no quarto, todas sorridentes e com aquelas vozes docemente intragáveis, falam:
– Vamos dar um passeio?
Já imaginaram minha cara. Sorriso mais falso que político falando que não roubou e lá vamos nós para os 275 km de corredor entre o quarto e o centro cirúrgico.
Já na sala pré anestésica, haviam mais três pessoas aguardando. Duas estavam tranquilas ou em pânico completo e já nem falavam mais, mas enfim, estavam quietas, já um ilustre senhor que estava ao meu lado, creio eu que, por nervoso, afinal, é tensa a situação, mas o nobre não ficava quieto um minuto, fez umas duzentas perguntas para a enfermeira, que tentava acalmá-lo, falando que o médico iria explicar tudo para ele depois, mas ele continuava perguntando e perguntando e eu rezando para ele ou eu irmos logo para a execução, porque mais alguns minutos eu mesmo faria a cirurgia nele, ou pelo menos extrairia sua língua! Fui primeiro.
Já no centro cirúrgico, procedimentos de praxe, conecta aqui e ali, acerta posição aqui e ali e entra o anestesista. Explicou todos os procedimentos, fez mais algumas perguntas e decidiu que seria anestesia geral mesmo. Perguntou meu gosto musical ao que respondi que gostava de Rock, ele disse que também sim, colocou um baita som o seu iPhone que até me fez sentir um pouco melhor. Gostei dele! Nunca o tinha visto, mas já passei a considerá-lo pacas!
– Vou aplicar agora essa injeção, o senhor vai sentir um grande sonolência e…..
Só lembro de ter começado a tossir e pronto. Se morrer for assim, fiquem tranquilos, não vamos sentir nada.
Estava num sonho bom, a impressão que eu tinha é que estava num jardim, sei lá, algo parecido, mas era muito iluminado, bonito e começo a sentir um aperto na garganta, tosse e um mal estar foi tomando conta. Nisso ouço:
– Senhor André, tudo bem?
E o inocente aqui foi tentar responder e foi quando percebi que o incômodo na garganta era porque eu estava entubado. Ai fica a pergunta: por que perguntar a alguém se ele está bem se a pessoa não pode falar? Seria um sadismo disfarçado?
Nisso escuto alguém entrando na sala, entendi que era o médico novamente e sinto como se alguém estivesse extraindo as amígdalas que já não tenho. Sinto um alívio, pronto, voltei a respirar. Acho que apaguei mais um pouco e acordei já no corredor, a caminho da sala de recuperação.
Bom, pensa que são só os médicos e enfermeiras que tem check-list de procedimentos? Nada! Eu também já tenho os meus, depois das minhas experiências cirúrgicas, criei minha check-list também, que basicamente se resumem a dois itens:
- Verificar se algo que deveria estar no lugar, não está;
- Verificar se algo que não deveria estar no lugar, está.
Felizmente, dessa vez, constato que nenhuma das situações tinha ocorrido. Tudo estava onde deveria e nada sobrando também foi localizado. Alívio.
Assim que vi o médico, a primeira pergunta foi se ele tinha conseguido tirar tudo e, como música aos meus ouvidos, ouço que sim.
De resto, tudo transcorreu do jeito de sempre. Para maiores detalhes, por favor, reveja os outros episódios da primeira temporada.
Ao final do dia tive alta. O médico passa pelo quarto, mais algumas perguntas e me olha, novamente, com aquele olhar de “já que você já sabe, nem vou tentar dizer que vai ser tranquilo”. E não foi! A cada inocente xixizinho eu invocava todas as forças do universo!
Chegou o dia de tirar o cateter. Lá vou eu para mais uma sessão de tortura. Era outro médico que estava de plantão.
– O senhor já fez isso antes?
– Sim.
– Bom, então já sabe que incomoda um pouco. Aquele olhar de eu sei…
Um pouco? Abomino essa minimização de impacto de sintomas! Incomoda um pouco um chute no saco! Isso incomoda para ¨!@*&!@.
– Pronto, saiu.
Fiquei com medo de olhar se o que tinha saído era o cateter ou os meus rins e bexiga. Fico feliz ao constatar que foi só o cateter.
E assim termina mais um capítulo da série de terror mais temida da minha vida. Pior que vale a pena ver de novo, pior que sessão da tarde com filme sem graça, e bem ao estilo, nem tente explicar pois, eu sei o que vocês fizeram na cirurgia passada.
Novamente, assim como nos outros contos, não estou criticando aos profissionais da saúde que me atenderam, pelo contrário, todos agiram com o maior profissionalismo e atenção possível e tenho total gratidão pelos atendimentos pelos quais passei. É tão somente uma forma descontraída de abordar um tema extremamente dolorido!
Gostou? Então leia também o início dessa saga (poder rir da desgraça alheia, nesse caso o objetivo é esse mesmo)
A saga de uma cólica renal – onde tudo começou
A saga de uma cólica renal – o retorno
A saga de uma cólica renal – o grand finale