O dia a dia de um paciente com dor crônica
Nesse segundo texto, ainda sobre o assunto dor, vou comentar um pouco sobre como é o dia a dia de qualquer paciente com dor crônica. Falo por mim mesmo, mas sei que é a realidade de praticamente todos.
Seu dia começa cedo, muito cedo. Não porque você acorde animado e disposto a fazer mil coisas, naquele pique frenético, nada disso, você acorda cedo porque a dor não te deixa dormir e ficar na cama já se torna um incômodo.
Então, você já se levanta com dor, cansado, com sono e, naturalmente, com um humor não muito legal.
O resto do dia segue da mesma forma como segue para qualquer pessoa, com compromissos, reuniões, estudos, problemas pessoais e familiares, mas com um bônus: a dor.
Para onde quer que se vá ou o que quer que se faça, lá está ela, sempre junto, é sua fiel companheira em todos os momentos, alegres (se é possível) e tristes, sua companheira inseparável de luta.
Tarefas simples, que para a maioria das pessoas é automática, para a gente é um pouco mais complicada. Tem dias que o simples fato de escovar os dentes é um desafio, porque os braços pesam, mas mãos doem, os ombros travam.
Não é exagero dizer que, em alguns dias, respirar dói, pois a dor nas costas, abdômen e tórax parecem que vão sufocar. Nessa situação, você resolve dar uma caminhada e do nada começa a doer os pés.
Chega no final do dia e você está exausto, tanto pela rotina de qualquer ser humano, quanto pelo bônus da dor, que deixa tudo mais pesado.
Você vai deitar achando que vai ter uma noite de sono ininterrupta, afinal, o esgotamento é tanto que não é possível ser diferente, mas é. Você acorda várias vezes durante a noite, pois não encontra uma posição confortável, a coluna dói, o joelho dói, o pescoço dói e na madrugada você se sente um bife na chapa, virando de um lado para o outro, até não aguentar mais e se levantar, muitas vezes, antes das 5 da manhã, morrendo de sono, cansado, normalmente mais cansado do que quando foi se deitar e, nesse loop infinito, recomeça mais um dia.
Estou poupando dos detalhes para não ficar cansativo, mas acredite, tem muito mais situações desconfortáveis durante o dia e a noite.
Portanto, quando você encontrar uma pessoa com dor crônica e perceber que ela não está de bom humor, não está radiante de alegria, pense que é por isso e muitas outras coisas.
Quando damos desculpas para não ir para algum lugar, na verdade nem desculpas são, porque se tem algo que não precisamos é inventar coisas para justificar nada, já temos motivos de sobra para não ter disposição para nada.
Quando falamos que estamos cansados, é isso, é o cansaço físico, mental, emocional, é a falta de perspectivas de ter um futuro mais tranquilo, pois sendo realistas, sabemos que com o tempo a coisa só piora.
Quando eu tinha meus vinte e poucos anos, numa dessas inúmeras consultas que já passei pela vida, ouvi de um neurocirurgião que eu tinha que me adaptar a dor, porque essa seria minha rotina pelo resto da minha vida. Saí do consultório injuriado, jurei que nunca mais voltaria naquele médico, não aceite essa sentença definitiva, pois não era possível que nada pudesse ser feito. Hoje, vinte e tantos anos depois, vejo que ele estava repleto de razão.
A cada novo tratamento iniciado é sempre uma esperança, mas não demora muito para a esperança se transformar em frustração. Hoje já nem me empolgo mais com nenhuma tentativa. Tento, mas sem esperar muita coisa, para a frustração ser menor quando a falta de resultados chegar.
Como já disse no primeiro texto, vamos criando uma casca, um personagem que mostramos, pois se o que ficar à mostra for o verdadeiro eu, ninguém aguenta ficar perto. Mas isso esgota num nível desumano.
Sabe a pior parte de tudo isso? Sim, sempre tem como piorar. Como a dor crônica nem sempre está associada a alguma deformação física, muitos que olham para nós, acham difícil realmente sentirmos tudo isso, afinal, temos dois braços, duas pernas, temos “saúde” e ainda nos cobram que deveríamos reclamar menos, ser mais gratos por tudo o que temos. Prefiro nem comentar essa parte, pois não conseguiria ser educado.
A dor crônica pode ser causada por diversas doenças, normalmente doenças reumatológicas e autoimunes, portanto, não é uma dor psicológica, ela é real, é um sintoma clínico de uma doença real e não imaginária, até porque, quem em sã consciência iria querer imaginar uma vida desse jeito?
Se você convive com alguém com dor crônica, saiba que esse é o nosso dia a dia. Não é fácil, não é bonito e não é agradável, portanto, sempre que possível, tenha compreensão, pois aquilo que demonstramos, muitas vezes, não é 10% daquilo que realmente sentimos.
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