Vivendo com dor crônica

Como faz muito tempo que não escrevo e escrever para mim é uma terapia, resolvi começar a abordar um tema que conheço muito e sobre o qual tenho propriedade para falar: a dor.

Começo dizendo que não serão textos fofinhos, pois meu objetivo com essa série de textos não é para romantizar nada, pelo contrário, quero desmistificar alguns preconceitos que rondam o assunto. Se você não quer ouvir algumas coisas desagradáveis, está muito sensível, por favor, pare por aqui e vá fazer outra coisa, pois não vou escrever o que é agradável aos olhos dos outros, até porque, isso eu já tenho que fazer no meu cotidiano, anulando dores e sentimentos para não ser aquela pessoa chata que só reclama, que normalmente é como somos vistos.

Vou dizer aqui minha experiência própria, mas tenho certeza de que refletirá o dia a dia de muitas pessoas que sofrem, silenciosamente, do mesmo problema e a essas pessoas eu digo, não estamos sozinhos.

Eu convivo com a dor há tanto tempo que quando alguém me pergunta quando elas começaram, minha resposta é sempre a mesma: não sei, não tenho mais o registro de memória de qual foi meu último dia nessa vida sem dor, se é que esse dia existiu. Isso não é exagero linguístico e nem para causar impacto, é a minha realidade.

Desde muito cedo sempre tive dores por diversas partes do corpo e desde muito cedo sempre fui visto como o hipocondríaco, o que queria chamar a atenção, o que era carente e mais uma série de coisas que até hoje, por vezes, ainda sei que é o que pensam.

“Ah, mas como pode você ter tanta dor? Uma pessoa ainda nova, fortinha, saudável” e, logo em seguida, normalmente começam os diagnósticos, como por exemplo, isso é falta de exercício, é porque você está acima do peso, isso é falta de fé, isso é falta de Deus. Sempre é falta de alguma coisa simples e eu, por pura preguiça ou incompetência, só estou sofrendo porque quero.

Tem também os tratamentos mágicos que resolvem tudo, do tipo: “ah, fulano tinha dor não sei onde, usou tal coisa e ficou bom”, “você já tomou sei lá o que?” e tal coisa? De novo, sempre dando a impressão de que só estou sofrendo porque realmente me acomodei com a situação.

Vou explicar: hoje tenho 49 anos, vou colocar, para meros fins de ter um parâmetro, que minhas dores se tornaram mais fortes depois dos meus 18 anos. Não foram, eu já tinha antes, mas vamos considerar isso. São 31 anos, vou escrever por extenso para não restar dúvidas, são TRINTA E UM ANOS buscando explicações, tratamentos, sendo feito de verdadeiro cobaia para todos os tipos de terapias e especialidades médicas, fisioterápicas, bruxarias, orações, curas milagrosas e o que mais você possa pensar. Resultado: nenhum.

Algumas especialidades pelas quais já passei: neurologia, psiquiatria, neurocirurgia, especialista em dor, reumatologia, homeopatia, fisioterapeuta e mais alguns outros que nem vou lembrar.

Dentre todos esses, qualquer tipo de tratamento e droga que você possa imaginar, eu já tentei. Muito antes de ser modinha, até cloroquina já me prescreveram.

Os exames são um capítulo a parte nessa minha saga, creio que já gabaritei a lista de exames de imagens, entre outros, como a eletroneuromiografia, que é um exame superlegal, onde você tem agulhas espetadas por todo o seu corpo e fica tomando choque para medir os pulsos elétricos.

Por que estou dizendo tudo isso? Para que você saiba que sim, eu já tentei praticamente tudo o que a medicina pode oferecer.

Durante esses 31 anos de buscas, eu já ouvi de tudo, inclusive que tudo isso era psicológico. Quando algo foge ao comum, o preconceito sempre é o primeiro que aparece e nem os médicos estão isentos de julgamentos desse tipo, afinal, se em exames de imagens nada justifica tanta dor, então essa dor não existe e problema resolvido.

Ao longo desses 31 anos, muitas vezes eu cheguei a pensar que realmente eu estava louco, que essas dores são imaginárias e que eu não deveria ter nada. Você ouve tanto isso que, em determinado momento, começa a duvidar dos próprios sintomas.

Mas meus problemas imaginários não me deixam dormir e ter um sono reparador, porque acordo dezenas de vezes durante a noite, assim como, me tiram a paz durante o dia, com um cansaço físico e mental extremos. Quando estou acordado, quero dormir, pois estou esgotado. Quando estou dormindo, meu corpo não aceita que preciso descansar e a dor me acorda. Esse ciclo vicioso se repete todos os dias, mesmo com medicações de todos os tipos, que até amenizam esses sintomas por um tempo, mas nunca o tiram completamente.

Minha rotina é afetada pelas dores, que em muitos dias me incapacitam para qualquer coisa, mas e daí? O mundo não está nem aí para isso. A vida pessoal cobra, a vida profissional cobra, a vida social cobra e poucas, mas poucas pessoas mesmo são capazes de entender.

Por algum tempo as pessoas te perguntam como você está, mas depois de um tempo, elas resolvem que você já se curou e pronto. Normalmente, diante dessa pergunta, eu simplifico e respondo que estou bem. É a resposta menos desgastante e a que todos querem ouvir, então, eu estou bem.

Já ouvi muito os famosos “se precisar conversar, falar, tô aqui, me chama”, mas isso é mero formalismo social, pois já tentei realmente conversar e por algumas vezes o outro até ouve, tenta ser empático, mas não demora muito tempo para começar a se afastar, a dar cortadas ou tiradas, então, a solução menos sofrida é responder que tudo está bem, até porque, ninguém tem nada a ver com meus problemas.

Tem também aqueles que, para dizer que te entendem, começam a falar que também sentem dores aqui ou acolá, que apareceu uma dor na perna, ou sei lá onde. Entendo, não desmereço qualquer dor, pois se ela te incomoda, ela é importante e eu não tenho como medir a dimensão da dor do outro, mas acredite, uma coisa é sentir uma dor temporária em algum lugar, mas que em alguns dias vai embora e você nem se dá conta de quando parou e outra bem diferente é conviver com essa dor por toda sua vida.

Nesse primeiro relato, não vou entrar nas causas e outros fatores, meu objetivo era somente pontuar o que é a rotina de alguém que sofre com qualquer tipo de dor crônica e essa rotina é a dor extrema, o cansaço, o esgotamento, a fadiga e, por consequência, a irritação, o mau humor, pois acredite, ninguém consegue ser feliz com dor.

Ao longo da vida vamos aprendendo a atuar, alguns de nós deveríamos receber o  Oscar, pois são atuações dignas de premiação, mas são as formas que vamos encontrando para continuar existindo.