Não aguentando de dor, achando que o cateter tinha saído do lugar, perfurado minha bexiga, necrosado meu rim e por ai vai, voltei para a emergência, pois não dava, era impossível fazer o xixizinho sem berrar e como esse ato tinha que se repetir, no máximo, a cada quinze minutos, não haveria muitas chances de sobrevivência.
Fui atendido, dessa vez, por uma médica, que tranquilamente falou que esse era um efeito comum do cateter. Mas espera ai, não era indolor????? Se isso era indolor, fico com pavor de pensar no que seria dor para eles. Seriam discípulos de Hitler e estavam fazendo novas experiências com torturas? Resumindo a história, fiquei internado, pois era a única forma de tomar medicamentos mais fortes e, com isso, minimizar a dor e eu ficaria internado até a cirurgia definitiva, que foi marcada para depois de cinco dias. Não tenho nada contra médicos, enfermeiros, mas hospital não é um ambiente que eu ame e onde ache legal passar uns dias, mas enfim, lá vamos nós. Analgésicos, antibióticos, dilatadores, entre outros passaram a ser comuns. As sádicas das enfermeiras já chegavam com o copinho e falavam, sua dose de MM chegou. Eu sorria, não sei se de raiva, vontade de socar a cara da ajudante de Hitler ou, por desespero mesmo. Essa foi a rotina, de duas em duas horas, dia e noite, por cinco dias.
Todo dia, na visita médica, vinha a pergunta: “dormiu bem?”. Sim, claro, uma tranquila e amável noite, dormi um sono só! Dois dias depois de hospitalizado, finalmente, senti um alívio, já conseguia fazer meu xixi sem muito sofrimento. Que alívio! Mas, como nem tudo são flores, chega o dia da cirurgia. No dia anterior, os procedimentos chegam a dar medo, respondi a mais uns dois ou três questionários, perguntaram se eu já havia assinado um termo de ciência do procedimento. Do nada, no meio da noite, uma enfermeira abre a porta e pergunta meu peso e altura, para passar para o centro cirúrgico. Pelo tom da voz e pela naturalidade, achei que ela iria passar era para o papa defunto, enfim, lá vamos nós.
Chega o dia, minha médica passou no quarto, fez uma marca no meu abdômen, no lado direito, procedimento normal e necessário para evitar que coisas erradas sejam operadas ou cortadas, desnecessariamente, fato que no meu caso, em específico, poderiam ser trágicas, então, pode marcar, pega um pincel marca texto, uma lata de tinta, pinta com tinta fluorescente, sei lá, mas identifique muito bem! Nos vemos daqui a pouco, disse ela.
Dessa vez já desci para o centro cirúrgico mais tranquilo, o corredor tinha só uns 375 km. Aperta campainha, trocas de informações, procedimentos de praxe e lá vou eu para o pré anestésico novamente. Dessa vez fiquei lá só uns 10 minutos e já fui levado para a sala. Novamente os procedimentos de praxe, o anestesista veio falar comigo e percebi que ele ficou me olhando, olhando e acabou perguntando : “eu acho que te conheço, você…”. Conhece sim, digo eu, o senhor já me anestesiou na semana passada, tá lembrado? “Opa, verdade, e ai, como está?” ?”. Estou ótimo, pensei, estou passando aqui só para dar um oi, mas de qualquer forma foi bom ter um rosto conhecido, já estava quase criando vínculos afetivos no centro cirúrgico, quase que já ia falando se depois ele não queria tomar uma, bater um papo, quem sabe um churrasco, mas não deu tempo, dormi antes… Mas, antes de dormir escutei uns papos meio estranhos entre uma enfermeira e o anestesista, por um momento lembrei do seriado Gray´s Anatomy, e lá vou eu para o meu sono profundo novamente, sei lá o que fizeram e falaram depois.
Acordei praticamente três horas após, já na sala de recuperação, ainda meio tonto, o primeiro impulso foi o mesmo, dar uma conferida se tudo estava onde deveria estar e, espera ai, notei algo que não me pertencia junto comigo. É uma sonda, disse amorosamente a enfermeira, com aquele sorriso irritantemente tranquilizador! Que ótimo, pensei, acho que pensei ou falei, sei lá, não sabia ainda o que estava fazendo, só sei que não gostei. Ela me disse que eu tinha que ficar quieto, não poderia me mexer muito, mas que estava tudo bem. Como estava curtindo meu barato novamente, fiquei na paz, meio zen, zen noção nenhuma do que me aguardava!
Passado mais algum tempo, que poderia ter sido alguns dias, talvez, ouvi uma voz me dizendo que eu já voltaria para o quarto, que estava tudo bem. Passei novamente pelos 375km do corredor e cheguei no quarto e, novamente, minha mulher lá me esperando, com aquele sorriso lindo, esse sim, confiável. Duas enfermeiras me ajudaram a ir da cama para a maca, arrumando a linda bolsinha da sonda que eu havia ganho e ajeitando as partes baixas. Nesse momento comecei a perceber que a coisa não iria ser muito boa, pois o movimento da sonda doeu um pouco, mas, entorpecido que ainda estava, nem me dei conta da tragédia que se seguiria. Depois de um tempo um dos médicos passou no quarto, ergueu o lençol, dá aquela olhadinha, cara de tudo normal. Pergunto se posso me levantar, me mexer e ouço que sim, que só teria que ficar imóvel por mais algumas horas, devido a anestesia, mas que depois das dezoito horas poderia levantar, mas sempre com a ajuda de alguém. Achei ele meio exagerado, mas tudo bem.
Segue a tranquila vida de quem está internado, soro, remédios, verificações e ouço uma das enfermeiras falando para avisar quando a bolsinha ficasse cheia, como se eu pudesse ver, mas enfim, minha esposa estava junto e estava tudo tranquilo. A primeira foi meio assustadora, vermelha, aspecto nada agradável. A segunda já foi mais tranquila, a enfermeira disse que ela já estava mais bonitinha. Quem entende, urina bonita, mas enfim, vamos lá. Passava das dezoito horas quando resolvi que iria tomar um banho, afinal, estava sujo de sangue lá onde você está pensando mesmo. Levanto da cama, sinto um pouco de tontura, mas tudo bem, minha mulher ajudando, segurando a bolsinha e lá vamos nós para o banho. Descubro, nesse momento, que tomar banho com soro e sonda não é uma tarefa simples, era melhor chamar o Macgayver ou o Tom Cruise, afinal, era uma missão impossível. Lavo onde tinha que ser lavado e começa o drama para se secar. Cada movimento que minha mulher fazia com a bolsinha eu morria de medo, doía, parecia que o dito cujo iria cair no chão, explodir, sei lá. Entre trancos e barrancos, visto um novo avental e vamos para a cama, onde decidi ficar, catatônico, completamente imóvel, quase em coma, até o dia seguinte.
Nesse ponto entendi o comentário do médico: “poder, pode”, quer dizer, eu posso me mexer, mas se você vai conseguir é outra história e, em nome do bom senso e por querer ainda me manter inteiro, resolvi que o maior movimento que eu faria seria respirar, com cuidado. A noite foi muito tranquila, confortável e a cada pouco alguma enfermeira entrava para dar uma conferida em tudo, olha bolsinha, olha o dito cujo e eu lá, me sentindo uma múmia exposta a visitação pública. Também, depois de tudo o que já deveriam ter feito, o que tinha dar uma olhadinha? Relaxei, pelo menos tentava me convencer disso.
Na manhã seguinte minha médica passa, também dá a olhadinha, examina e sentencia: “está tudo bem, vou pedir para tirar a sonda”. Aquilo soou como a nona sinfonia de Beethoven, não via a hora, mal ela saiu do quarto e eu já me senti tentado a apertar a campainha e chamar a enfermeira para tirar logo, mas me controlei, afinal, aquela altura, um movimento brusco como apertar uma campainha poderia colocar tudo a perder e me contive. Quase quarenta minutos depois entra a enfermeira e me animo, mas ela me deu meu saquinho de MM para tomar e falou que estava aguardando um medicamento que eu deveria tomar antes de tirar a sonda. Me senti deprimido, mas fazer o que, vamos aguardar.
Mais ou menos uma hora depois entra ela novamente, com uma seringa pronta e avisa que vai aplicar o medicamento que a doutora passou, que descobri nesse momento, era morfina. Ela aplicou e eu viajei, não sentia mais nada, não sentia perna, braço, boca, sentia calor, frio, enjoo, tudo junto e ela, percebendo que não fiquei bem, me pediu para falar com ela. Falar o que, minha filha???? Você acha que eu conseguia falar alguma coisa??? Escutei ela falar que eu fiquei muito vermelho, imagino, devo ter ficado pink, pois pelo calor que senti, achei que estava pegando fogo. Como ainda não podia me mexer, afinal, a bendita sonda ainda estava lá, vejo ela levantando o lençol e pensei, pronto, lá vamos nós novamente, mas pelo menos dessa vez era por uma boa causa, ela iria tirar aquilo que tanto me ….AAAAAAAAAAAAAAAIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIII. Nesse momento, sinto que não fiquei mudo e que ainda podia falar, gritar, gemer, e confesso, novamente me veio aquela vontade de socar a enfermeira, mas me contive. Vejo o tubo que ela tirou do meu amigo e pensei em pedir para ela deixar comigo, afinal, dava para colocar um bico e lavar o quintal com aquela mangueira! Assim que ela saiu do quarto volto a me examinar para saber se ela tinha arrancado somente a sonda mesmo e, para alívio, constato que o restante ainda estava no lugar certo.
Fico lá, imóvel, por mais um tempo, recuperando a respiração e a dignidade, que a essa altura, já tinha ido para o espaço há muito tempo. Ela volta e fala que agora precisa observar se vou conseguir fazer xixi normalmente. Me lembro da minha primeira experiência após a colocação do cateter e novamente senti o polo norte em minha coluna. Se um cateter tinha dado toda aquela dor, imagine aquela mangueira de irrigação. Vou ao banheiro com o mesmo ânimo de quem vai para o corredor da morte, posição tomada e pronto. Dessa vez foi um tsunami junto com uma erupção vulcânica, aliado a um tornado e uma tempestade raios. Esse foi meu primeiro xixizinho após a retirada da tubulação transoceânica que estava no meu canal.
No outro dia entra a médica, toda atenciosa, pergunta como estou. Penso num monte de possíveis respostas, nada educadas, mas me limito a responder que tudo bem. Ela falou que me daria alta e disse que o cateter que eu ainda usava seria retirado depois de dez dias, no consultório, com anestesia local. Não me atrevi a fazer qualquer outra pergunta sobre o assunto, prefiro já não saber mais nada. Ela só disse que é “só relaxar e pronto”. Claro, tranquilo, muito confortável a ideia de ter algo entrando em você, talvez pela zona mais sensível do seu corpo, indo até sua bexiga e puxando algo que está dentro do rim para fora. Acho que vou guardar essa imagem e lembrar dela quando estiver praticando meditação, afinal, nada mais tranquilizador do que ter essa imagem na mente!
Já em casa, o incômodo é absurdo novamente, passo uns dias melhor, mas depois de três dias, eis que a dor volta e cada ida ao banheiro se transforma numa sessão de tortura. A dor sobe pelas entranhas, vai para o rim, que parece que está sendo picotado com um cortador de gelo, sabe aquele que a Sharon Stone utilizou, em Instinto Selvagem, pois é, sinto como se ele estivesse nas minhas costas. Um outro ponto é a região mais baixa, o testículo, que parece que vai inflando, que vou explodir e, nesse ponto, lembro lá do tal padre que sumiu pendurado nos balões e tenho medo, será que vou sair voando também de tanto que ele está inflando, mas olho e vejo que ele está normal, é só uma sensação mesmo, dos males o menor, imagine… bem, deixa para lá.
Veja a sequência da desgraça:
A saga de uma cólica renal – onde tudo começou
A saga de uma cólica renal – o grand finale
A saga de uma cólica renal – Eu sei o que vocês fizeram na cirurgia passada (Nova temporada)