Trabalho Infantil
A polêmica do momento, ao menos uma delas, já que polêmicas não faltam em nosso país, é a declaração do presidente sobre o trabalho infantil.
Desse assunto eu entendo, afinal, trabalho desde os doze anos de idade, portanto, me julgo com moral e experiência para falar sobre ele.
Por um bom tempo eu me orgulhava desse fato, realmente achava que ter começado a trabalhar cedo havia despertado em mim um senso de responsabilidade muito maior, eu havia amadurecido muito rápido e isso era bom.
Mudei de opinião e vou expor aqui alguns motivos que me levaram a essa mudança de postura.
De fato, eu amadureci muito rápido e sabe quais benefícios isso trouxe para a minha vida? Nenhum.
Também é verdade que assumi um grande senso de responsabilidade muito cedo e sabe o que isso trouxe para a minha vida? Dor.
Hoje, praticamente aos quarenta e quatro anos de idade, consigo analisar de forma muito menos entusiasmada os aparentes benefícios desse peso que carreguei desde cedo e dos problemas, tanto físicos quanto psicológicos que essa condição me trouxe.
Meu primeiro emprego foi numa sapataria e, do alto dos meus doze para treze anos, com toda a experiência de vida que é normal um pré-adolescente ter, eu desempenhava até com certa desenvoltura meu ofício.
O dono dessa sapataria, que também era meu vizinho, senhor Maelmo, era uma pessoa boa, não tenho do que reclamar dele, mas sim, da situação em si.
Ainda nessa idade ele saia para fazer compras em outra cidade e eu assumia a responsabilidade de ficar não somente trabalhando, mas cuidando do comércio.
Resumindo a história, para isso não gerar um livro, o saldo desse meu emprego foi uma perna cortada ao manusear a faca de cortar couro, que literalmente cortou o meu e ganhei 13 pontos na perna, além de outra situação, muito mais grave, que foi o fato de quase ter ficado cego graças a uma intoxicação pela cola que era (creio que ainda é) utilizada para o conserto dos sapatos.
O cheiro dela era muito forte, e eu, além de alérgico desde criança, estava no período onde minha estrutura física estava se formando. O resultado foi o pior possível e num belo dia acordei com a visão atrapalhada. Esse quadro foi piorando e piorando até que eu passei a ver vultos, não conseguindo distinguir mais praticamente nada.
Os médicos, por sua vez, sem todos os recursos de hoje, não conseguiam identificar o problema e eu só piorei. Depois de alguns meses, sem qualquer melhora, fui levado a um especialista na cidade de Piracicaba que logo na primeira consulta, diante do que foi relatado pela minha mãe, identificou a causa.
Depois de um longo e penoso tratamento, recuperei a visão, mas segundo o próprio médico, foi por pouco que eu não a perdi totalmente.
Esse episódio não limitou a minha carreira profissional antecipada, pois tão logo me recuperei, fui buscar outras coisas, afinal, devido a situação econômica da minha família eu me via na obrigação de ajudar.
Terminei o ensino no segundo grau, na época chamado colegial e não tive chances de continuar estudando, como era meu sonho, pois a realidade gritava e eu tinha que ajudar a manter a casa. Só consegui voltar a estudar quando a maioria dos meus conhecidos de infância já estavam com uma carreira consolidada e, ainda assim, não foi nada fácil.
Não estou me colocando na posição de vítima, até porque, detesto esse papel. Estou relatando uma experiência pessoal, que até então, nunca tinha falado, mas diante do caos que vivemos, achei interessante expor.
Parem de romantizar o trabalho infantil porque isso não tem nada de legal. Criança tem a obrigação única e exclusiva de brincar! Uma coisa é ajudar nos afazeres domésticos, que ajudam a desenvolver o senso de responsabilidade, mas outra bem diferente é sair para a vida adulta quando não se está preparado!
Estou vendo muitos artistas e profissionais da mídia falando que trabalham desde cedo, mas no “armazém” dos pais, por exemplo. Isso não conta! Trabalhar, no sentido que se está sendo colocado é o que eu passei e tantas outras crianças passam, afinal, quantos pais possuem um armazém de família?
É engraçado como a burguesia é podre! Elas tomam a própria experiência de vida como se isso fosse a realidade de todo mundo e isso então, passa a justificar qualquer tipo de absurdo dito por outro imbecil que ocupa o cargo de presidente, mas que não passa de uma marionete nas mãos de uma burguesia do qual sequer ele fez parte, mas num termo também em alta, é o idiota útil, que foi colocado no lugar certo para atender aos interesses de grupos específicos. Fazem com que ele se sinta parte dessa elite, mas o idiota útil só está será utilizado enquanto ele for um idiota útil, pois a partir do momento em que ele não se fizer mais necessário, será descartado tal qual um papel sujo.
Você pode estar aí já discordando de mim, afinal, tenho certeza, muitos dos que vão ler esse texto também devem ter começado a trabalhar desde cedo e não devem achar nada de errado nesse fato.
Pois eu te digo que tem sim e talvez nem você tenha se dado conta disso. Analise sua vida com a vida de outros que você possa conhecer e que, desde cedo, tiveram a chance de brincar e estudar. Não precisa responder para mim, responda para você mesmo.
Não use a lógica cruel do “se eu passei e sobrevivi, outros também podem”, porque isso não é sadio nem a você e nem ao outro. Não queira que outras crianças passem pelo que você passou para que você se sinta melhor, pois isso é sádico e só demonstra que a experiência foi cruel e deixou marcas profundas em seu ser.
Percebam que por trás desse aparente discurso legal e responsável há todo um processo de segregação, afinal, a mesma lógica não vale para o filho do rico, que vai continuar estudando, fazendo cursos de idiomas e brincando, enquanto o menos favorecido, vai começar a trabalhar desde a infância para garantir que os que já possuem possam continuar exatamente onde estão, no topo da hierarquia social.
Se você já é pai ou mãe, reveja seus conceitos e não lute para seu filho ter que trabalhar desde cedo, lute para que você tenha condições de cumprir seu papel que é o de garantir uma infância tranquila ao seu filho, dar a ele a melhor formação possível e, depois disso, que ele possa ir para o mercado de trabalho e possa competir em condições de igualdade, do contrário, você mesmo, classe oprimida, estará incentivando a cada vez mais a opressão e a desigualdade.
Não desconte sua frustração em um inocente, ajude a quebrar esse ciclo cruel e não romantize uma situação que de romântica não tem nada, mas sim, que é uma selva onde impera um sistema capitalista que se utiliza de todo tipo de fala e manipulação para manter a ordem que lhes convém, que é o pobre sendo cada vez mais pobre e subserviente e o rico, cada vez mais rico e poderoso.