Tenho saudades..

Tenho saudades de muitas coisas, às vezes acho que tenho saudades de coisas que nem conheci e algumas delas, compartilharei a seguir.

Tenho saudades da boa educação, do tempo em que o respeito existia, do tempo em que se falava um “bom dia” e a outra pessoa respondia. Moro ao lado de um supermercado de rede e todo dia de manhã vou comprar os pães para o café da manhã e, como rotina, sempre que chego ao caixa digo o “bom dia” e, normalmente,  ouço como resposta:  “CPF na nota?”.  Não fosse pelo “CPF na nota?”, começaria a me preocupar, achando que tinha morrido e não sabia, pois parece que nem estou à frente da pessoa.

Tenho saudades do tempo em que se atendia um telefone e se podia falar com um ser humano do outro lado. Hoje liguei para pedir um botijão de gás de cozinha e a atendente me perguntou tanta coisa que comecei a questionar se eu queria mesmo o gás: Nome completo, endereço, dois telefones para contato, dois pontos de referência, e-mail. Eu só queria um gás…

Tenho saudades do tempo em que perguntávamos o nome da pessoa e não o seu e-mail, Facebook, perfil no Linkedin, Twitter, entre outros. Já percebeu que hoje seu nome é quase irrelevante? Em qualquer conversa, quase que sempre a primeira pergunta é “você tem e-mail?”, “Qual o seu perfil?”.

Tenho saudades do tempo em que a pessoa perguntava alguma coisa e ouvia a resposta. Já percebeu que hoje em dia, via de regra, as pessoas perguntam, respondem e, de vez em quando, contestam o que elas mesmo falaram? Algumas pessoas do meu círculo mais íntimo dizem que falo pouco e penso que sim mesmo, pois, por qual motivo,  vou tentar falar com quem não quer ouvir? Se não quer saber a resposta, nem pergunte…

Tenho saudades dos desenhos animados, que realmente eram animados e não histéricos com super poderes, que berram e matam o tempo todo. Pica-pau era sádico? Tom e Jerry incentivavam a violência? Acredito que se juntássemos todos os pontos negativos de todos os desenhos dessa época, estes não representariam 1% da violência gratuita que vemos nos atuais….

Tenho saudades do tempo em que eu podia comer um pastel frito na feira sem me preocupar com os elevados índices de colesterol, nas gorduras transgênicas e que isso estaria diminuindo minha vida em alguns pontos percentuais. Tenho saudades do tempo em que eu não precisa me preocupar com a quantidade de ômega 3 que deixei de ingerir e que meu organismo não repõem, das cápsulas de potássio, polivitamínicos, etc. Tenho até saudades do óleo de bacalhau, se querem saber..

As pessoas, em sua ânsia de viver (às vezes penso por qual motivo, dada a vida de muitos) cada vez mais, esquecem-se de uma lei eterna e imutável: todos nós, sem exceção, vamos morrer e não vão ser comprimidos, pílulas milagrosas e tratamentos diversos que nos tornarão imortais. Não digo que sou contra cuidar da saúde, não é isso, mas sou contra toda essa neurose que se criou. Há alguns anos  eu achava que para ser saudável deveria comer só frutas, legumes e verduras, mas hoje vejo que nem isso posso mais, pois os legumes são tratados com inseticidas que causam câncer, as verduras podem estar contaminadas por vírus. Ainda que eu conseguisse viver só com o ar eu conseguiria resolver o problema, pois o ar também é poluído.

Tenho saudades de ouvir boas músicas, de poder ligar o rádio e realmente ter música tocando, melodias que faziam carinho nos tímpanos , que eram agradáveis, inteligentes e  construtivas. “Camaro amarelo” é eleita a música revelação ao ano… me pergunto que revelação seria essa? Revelação de que a humanidade se “idiotiza” cada dia mais?

Embora seja um profissional que trabalha com tecnologia da informação, tenho saudades da máquina de escrever. Sim, é isso mesmo e sabe por que? Por que com a máquina de escrever não dava para dar Control+C e Control+V, ou seja, aquilo que escrevíamos para uma pessoa realmente era para aquela pessoa e  tinha significado, tinha sentimento. Hoje tudo se resume a “Curtir” e “Compartilhar”

O grande Mário Sérgio Cortella, filósofo e educador que muito admiro pela sua lucidez rara nos dias atuais, tem uma fala muito interessante e propícia. Ele diz que vivemos a “era miojo”, ou seja, hoje tudo fica pronto em três minutos e tudo também acaba em três minutos: namoro de três minutos, amizade de três minutos, ou seja, a geração miojo. Diz ele ainda que deveríamos deixar o miojo e voltar à pamonha, pois essa tinha como objetivo, muito mais que a alimentação,  reunir a família e conversar, aproveitar o momento e a pamonha acabava sendo, na verdade, somente um pretexto para a reunião familiar.

Ainda, segundo Cortella, um dos maiores sinais de insanidade do mundo atual é “a família toda se reúne no domingo e sai para almoçar num restaurante que faz comida caseira”…Acredito que dispensa maiores comentários.

Fiquem tranquilos, pois antes que essa minha saudade se transforme em tristeza e essa tristeza me leve à depressão, esse será o assunto da minha próxima sessão de terapia. Sim, eu ainda sou daqueles que acha que os problemas se resolvem falando sobre eles e não com alguns comprimidos e, novamente, não sou contra nenhum tratamento, apenas fiz minha escolha.