Hoje resolvi escrever um pouco sobre a família, afinal, diante de tantas notícias negativas que vemos e fatos que nos envolvemos, no dia a dia, não dá para deixar de lado esse ponto importantíssimo, e ultimamente, relegado as últimas esferas: a família.
Vamos ao princípio: qual é a definição de família? Segundo o Dicionário Aurélio, família é “o pai, a mãe e os filhos: família numerosa./ Todas as pessoas do mesmo sangue, como filhos, irmãos, sobrinhos, etc./ Grupo de seres ou coisas que apresentam características comuns: família espiritual.”
Hoje existe tanta discussão em torno do assunto (algumas, muito hipócritas, diga-se de passagem), mas acredito que o real significado e valor da família já se perdeu há muito tempo.
Particularmente, venho de uma família bastante humilde, mas mesmo diante de todas as dificuldades, algumas coisas nunca me faltaram, como por exemplo, valores morais sólidos e que hoje fazem toda a diferença em minha vida. Sempre ouvi dos meus pais que se apropriar de algo que não fosse meu era errado, segundo eles, “Deus castigaria”. Hoje vejo que a questão não é o castigo divino, mas sim o fundo moral, ou seja, aquilo que não é seu, não é seu e ponto final. Se quiser ter algo, lute por você mesmo, mas se apropriar do que é dos outros, é errado. Sempre sofremos, choramos, mas me lembro sempre da minha mãe dizendo que “um dias as coisas iriam melhorar”.
Essas situações sempre remetem a várias análises, pois, naturalmente, precisamos tomar cuidado para não cair na apatia e passar a se conformar com tudo, aceitando todas as dificuldades como naturais e imutáveis, afinal, é assim mesmo (coisa que também ouvi muito), mas também não podemos deixar de lado o viés moral. Sou da época em que um olhar bastava. Certo ou errado, hoje creio que meus pais conseguiram cumprir parte do papel que cabe a família, ou seja, dar a base para a vida, dar os valores que preciso para me desenvolver como pessoa. Acertaram em tudo? Certamente que não, mas quem acerta?
A família é onde tudo começa, é nosso primeiro contato com o mundo e é onde aprendemos e definimos o que seremos, mesmo que seja para definir o que não ser, pois não sejamos ingênuos, algumas famílias mais prejudicam do que ajudam.
O que vejo hoje são exageros de todas as partes, discussões pseudocientíficas, teorias absurdas e só tentam justificar o injustificável e dar base para toda a gama de atrocidades que vemos todos os dias pelos noticiários.
O ser humano não é perfeito, isso é fato, pois todos temos pontos positivos e negativos e é exatamente nessa diversidade que crescemos tanto como pessoas, quanto como profissionais. Desde muito pequeno, todos somos acometidos por situações boas e ruins, sentimentos bons e maus e fatores traumáticos dos mais diversos e, acredito, isso não vai mudar nunca, pois acredito que isso faça parte de um processo evolutivo natural. No mundo, sobrevivem as espécies mais fortes, já diz a teoria evolutiva de Darwin. Os mais fortes não são aqueles que simplesmente resistem mais às dificuldades, mas sim, aqueles que aprendem a se adaptar melhor as constantes variações a que estamos submetidos.
Hoje vejo que a família atual não faz mais parte desse grupo dos “fortes”, pois já se fragilizou tanto que está quase em extinção. Vejo que o homem, de forma geral, passou aos extremos, indo de uma conduta muito pacífica e contemplativa para o outro extremo, onde nada se aceita e tudo é motivo para revoluções, que na grande maioria das vezes, vejo como a rebeldia sem causa. A sociedade necessita de regras, sempre foi assim e sempre o será, pois são as regras que norteiam os princípios de igualdade, de propriedade e mesmo, de sobrevivência da espécie, no entanto, quando essas regras são quebradas ou perdem a força moral, o caos está instaurado.
Esse caos começou a ser instaurado, num primeiro momento, dentro da célula familiar, quando os pais passaram a ter uma postura permissiva e extremamente negativa, tirando da criança a base do respeito e das noções de autoridade. Sim, acredito que a autoridade é importante, mas não pode ser o autoritarismo, mas sim, a força moral, que através do exemplo, repassa valores e inspira exemplos, sem precisar impor nada. Em muitas conversas e mesmo em muitas leituras, vejo sempre a mesma questão, que envolve esse processo de mudança e que permeia sempre em torno de que a criança tem o direito de decidir, de participar, etc e tal.
Não estou defendendo a “ditadura familiar”, mas tem horas que a criança não define nada, simplesmente aceita e pronto. Algumas questões não estão em discussão e isso se reflete em coisas simples, como por exemplo, a famosa frase: “ah, mas ele não dorme cedo” ou “ele tem personalidade, só quer fazer o que quer”. Quando ouço isso me dá uma angústia, pois penso que ali se forma mais um ser humano desequilibrado e que acha que o mundo tem que girar em torno das suas vontades, que regras não existem e que ele tudo pode. Em minha modesta opinião, não é a criança que tem personalidade, são os pais que não possuem competência para assumir o papel a que se permitiram, pois quando uma criança de dois ou três anos tem mais forças do que um adulto, algo está errado nessa relação. Quem é a criança e quem é o adulto? Às vezes é difícil fazer essa distinção.
Voltando ao dicionário Aurélio, vamos buscar a definição de infância: “período da vida humana desde o nascimento até cerca de 12 anos./ Começo, origem.” Quem começa algo tem conhecimento suficiente para decidir tudo? Quando você começou sua carreira sabia tudo, sobre todos os aspectos que a envolvem? Volte a sua própria infância e repense no que você fazia aos 10 anos de idade? Você se julgaria com discernimento necessário para agir sozinho? Acredito que não. Por que então, esperar que as crianças de hoje o façam? O que mudou?
A criança pede limites o tempo todo e quando isso não acontece as consequências são trágicas. Hoje sou professor universitário, mas já passei pelo ensino fundamental e técnico, portanto, já convivi com pessoas de todas as idades e, sinceramente falando, alguns fatores não mudam nunca. A carência afetiva é muito grande, a falta de limites se reflete o tempo todo em sala de aula e, nesse ponto, tanto faz ser no ensino fundamental ou na faculdade. Os alunos, que antes de serem alunos, são pessoas, são filhos de alguém, pedem atenção e limites quase que diariamente e é engraçado (ou trágico) perceber isso. Eles cobram do professor a postura moral e os limites que não tiveram em casa e sabe por quê? Porque limites são necessários e eles sabem disso.
Esse assunto já esteve presente em incontáveis sessões das minhas terapias e minha terapeuta sempre me disse que tenho esse lado “paizão” muito forte, talvez isso explique as situações tragicômicas que vivo. Realmente, tenho essa sensação, de que cada aluno é como se fosse um filho e que eu tenho que fazer por ele alguma coisa para tornar sua vida melhor e, desse fato, surgem também algumas frustrações minhas, pois naturalmente não consigo mudar a base e nem tenho como ter essa pretensão. Fico muito feliz quando vejo que consegui, por menor que seja, mudar alguma coisa em meus alunos, mas voltando ao ponto central dessa conversa, que não é minha atividade profissional, o que faz com que meus alunos me tratem, em algumas situações, como se estivéssemos em família? Hoje não tenho dúvidas de que é a falta da sua própria família. O limite que me cobram é o limite que não tiveram dentro de casa. O desrespeito é fruto da sua “personalidade forte e que ele só faz o que quer”.
Quem me conhece sabe que comigo as coisas funcionam um pouco diferente, pois sou daqueles que mantém os limites e se existem regras, essas vão ser cumpridas. Se a regra é justa ou não, isso é outra discussão, mas se ela existe, até que alguém a modifique, vale o que existe. Diante disso, quando acontecem esses exageros, busco logo uma maneira de retomar a situação, às vezes de forma meio áspera, pois nem sempre as coisas se resolvem na base da linguagem carinhosa. Isso não é o que um pai faz ou deveria fazer? Já vivi muitas situações onde fiz isso e, para minha surpresa, meus alunos não se voltaram contra mim, mas sim, apoiaram, o que demonstra claramente a carência e a falta de limites com as quais eles convivem. Na verdade, acredito que a maioria dessas situações nada mais são do que gritos de socorro, pedidos de ajuda, pois você só chama a atenção de quem gosta, você só dá bronca em quem é importante para você, pois se há indiferença, significa que não há importância.
Deixar o outro fazer o que quer não significa que você o está ajudando, mas sim, passando a impressão de indiferença, ou seja, o tanto faz, faça o que você quiser, pois não me importo mesmo. Pense um pouco a respeito.
A família tem esse papel, ou seja, impor limites, impor regras. Sou descendente de italianos, portanto, fez parte da minha vida toda muita falação, muitos gritos. O italiano é um povo conhecido por seus exageros, por suas brigas incontáveis, sangues exaltados, mas por um sentimento muito bonito em relação à família, que é sagrada. Claro que minha família teve problemas, claro que nem tudo são flores, mas também é fato que tenho saudades das macarronadas da nonna, do momento em que a família se reunia e discutia um monte de coisas sem sentido, mas o sentido era outra, era a união, pois mesmo com todas as brigas e problemas sérios que existiam no relacionamento, é um fato inegável que a união fazia parte, com todos os primos e primas sempre brigando por algo, minha avó, muito rabugenta, sempre reclamando, meu avô na maioria das vezes, calado escutando, meus tios sentados jogando “truco”, numa exaltação daquelas, mas era a família e, bem ou mal, aqueles momentos traziam certo conforto.
Hoje essas cenas praticamente não existem mais. Me utilizando, novamente, da fala do Mário Sérgio Cortella, um dos grandes sinais da insanidade do mundo atual é a família toda se reunir no domingo e ir almoçar fora, para comer comida caseira. Hoje falta isso, falta o diálogo, faltam as brigas, falta a bronca dos pais e avós, mas falta, acima de tudo, o sentimento de valorização das pessoas, falta dizer aos filhos que “a vida vai melhorar”, ainda que talvez nem você acredite muito nisso, mas não tire a esperança dele, dê-lhe a base e, com essa base, ele vai depois fazer o que quiser, acreditar no que quiser, mas terá conhecimento para fazer discernimento.
O maior problema das pessoas hoje em dia, pelo menos é o que acho, é exatamente essa falta de discernimento entre o que é “certo ou errado”. Questões filosóficas à parte, certo ou errado fazem parte de um conjunto de valores pessoais, valores que foram relegados. A velha discussão sobre ética e moral, talvez nunca tenha sido tão necessária.
Analisando os fatos sobre essa ótica, percebemos que a humanidade vive uma crise moral muito grande e, se nada for feito, talvez irreversível. A ética sempre nos trouxe o fato de que roubar não é certo, mas a moral foi se afrouxando e, sem críticas direcionadas, mas se seu filho chegou da escola com uma simples borracha que não era dele e você foi conivente com a situação, acabou de dizer a ele que moralmente isso é aceito. Esse é nosso maior problema, aceitar como normal coisas antiéticas, ou ainda que não aceitemos, mas nos calamos e o silêncio é tão pernicioso quanto a conivência. Sabe aquele momento em que a campainha toca e você pede para seu filho falar que você não está em casa? Você acabou de dizer para ele que, se for para benefício próprio, uma mentirinha é permitida. Os outros não podem mentir, mas você pode. Os outros não podem roubar, mas você pode. É difícil entender porque hoje as pessoas estão num grau de egoísmo insustentável? Por esses e tantos outros motivos é que digo que a família é uma instituição que se perdeu há muito tempo, seus valores ficaram perdidos ao longo do caminho e hoje restam algumas poucas alternativas: ou voltamos um pouco nesse caminho e recolhemos valores que ficaram jogados pela beira do caminho ou caminharemos, inevitavelmente, para um grande abismo, abismo do qual, na verdade, já estamos à beira e falta somente um último passo.
Em nome da liberdade de expressão, da liberdade de pensamento, do não ao preconceito, criaram-se monstros que hoje assombram a todos nós. Aquela história de monstros que assustam criancinhas, sabe? Hoje eles não assustam mais só crianças, eles nos assustam também, pois todos os dias quando abrirmos as páginas de notícias nos deparamos com alguns desses monstros colocando fogo em pessoas porque elas não tinham dinheiro para o assalto que eles estavam fazendo, com monstros que fazem parte de comissões de diretos humanos e dizem que um povo é amaldiçoado, com monstros que desviam milhões de verbas públicas, que serviriam de base para hospitais e escolas para benefício próprio. Sabe aquela borracha apropriada e não reprimida? Sabe aquele horário não cumprido? Sabe aquela história de que ele tem personalidade e faz só o que quer? Eis o reflexo e, depois, ainda vem a pergunta fatídica: “aonde foi que eu errei?”.
Não estou dizendo que falte religião as famílias, digo sim, que falta moral e moral independe de religião, aliás, em algumas situações, a própria religião é a grande culpada por muitos absurdos que vemos, portanto, apoie-se na moral, na ética, pois o maior ensinamento de Cristo foi esse “ame ao próximo como a si mesmo”. Ao dizer isso, ele nos deu uma lição de moral que nenhuma outra pessoa vai conseguir superar. Não é meu foco discutir a família tradicional ou não, pois, sinceramente falando, acho isso de uma inutilidade tremenda, para mim, família que se preze serve para isso, ou seja, dar estofo moral aos filhos que lhe são designados e pouco importa se é a família dita tradicional ou se é a família moderna. Se os pais são heterossexuais ou homossexuais, pois também acredito piamente que a orientação sexual de uma pessoa não a faz melhor ou pior que ninguém, a moral sim é quem determina isso. Discutir essa questão é, mais uma vez, tirar o foco do que realmente importa, mais uma vez deixar de assumir as responsabilidades e colocar no outro, a culpa daquilo que não fizemos.
Pouco importa se você é católico, evangélico, espírita, muçulmano, ateu, hétero ou homossexual, importa é que você tenha moral e que essa moral seja transmitida aos que estão sobre sua responsabilidade. Preste atenção, sua responsabilidade! É fato que algumas pessoas vão destoar, ainda que tenham todo o embasamento moral necessário, mas acredite, se esse papel da família fosse, de fato, feito, esse número seria bem menor e não seríamos obrigados a conviver com tanta injustiça, com tantos crimes hediondos, com um mundo que em muitas vezes nos faz pensar se vale a pena continuar vivendo.
Antes de culpar o governo, a escola, a igreja ou sei lá quem, aponte o dedo a você mesmo, pense em seus atos, pense naquilo que você deixou de lado, pense na criança que hoje está ao seu lado e que pode, nesse exato momento, estar simplesmente esperando um bronca sua, pois ele está te pedindo atenção, está esperando que você demonstre que o ama e que se importa com ele.
É fato que na vida de hoje, tempo é algo escasso, que todos temos que trabalhar e se desdobrar, mas dê significado ao tempo que você passa com sua família, faça com que os poucos momentos tenham valor, pois um gesto de alguns segundos podem valer por uma vida toda, tanto para o bem quanto para o mal.
Família – Titãs