Estou cansado

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Hoje foi um daqueles dias que canseira pegou. Já vem de alguns dias, mas hoje ficou pior.

É o cansaço físico, aumentado pelas minhas inseparáveis dores físicas, mas muito mais do que isso, é o cansaço mental, são as dores morais, que vão lentamente corroendo a alma.

Estou cansado da maldade humana. Estou cansado do egoísmo. Estou cansado dessa gentalha que menospreza a vida dos outros de forma tão banal. Estou cansado.

Sempre fui uma pessoa que tenta ver a vida por diversas perspectivas, tento encontrar forças em meio aos momentos mais difíceis, aliás, se não fizesse isso, nem estaria mais vivo. Tento manter o otimismo, no entanto, sem me alienar, mas confesso, estou cansando.

Não, isso não é de agora, por causa da pandemia, mas é claro, ela ajudou a potencializar tudo isso. Eu cansei de me decepcionar com as pessoas, eu cansei de quebrar a cara e conhecer o lado mais podre do ser humano e, muito pior, em relação a pessoas com as quais eu tinha uma grande estima.

Nada como uma situação mais extrema para que as pessoas se mostrem, que se exponham, visceralmente falando. É o que acontece hoje.

Aquele pudor em expor certos pontos de vista não existem mais, pelo contrário, parece que quanto mais cruel, melhor.

Eu estou cansado de pessoas que cultuam a morte em detrimento da vida, que não se importam com quantos vão ter que morrer, desde que ela não sofra nenhuma perda material.

Eu sempre valorizei muito a vida, tanto a minha quanto a dos outros. Entre tantas coisas, uma das que mais me machucam é perceber o quanto a minha vida pouco importa para tanta gente.

Estou cansado de ler negacionistas, que fazem questão de expor todo o seu ranço, toda a sua frieza, em tantos comentários em redes sociais. Morreu, e daí?

Ah, morreu, mas era gordo, era velho, era hipertenso, sofria com outras comorbidades, que é uma palavra que, tenho certeza, muitos sequer sabem o que significa, mas que agora acharam bonita, além do que, ela serve para justificar a morte.

Eu sou hipertenso, tenho, além da hipertensão, outra doença crônica, estou acima do peso, portanto, diante do tribunal penal brasileiro, eu posso morrer, quem sabe, já até deveria ter morrido.

Minha vida não é útil, eu sou um custo em potencial. Isso machuca. Machuca porque trabalho desde os doze anos de idade e sempre paguei meus impostos, como qualquer cidadão, mas parece que isso pouco importa, frente ao prejuízo que eu posso causar, só por estar vivo.

Tenho que me desculpar com a sociedade por não pertencer a uma raça pura? Ou melhor, tenho que pagar essa conta com a sociedade, me conformando que tenho que morrer para dar melhores condições a alguém mais saudável?

Ah, morreu mas era velho. O que é ser velho? Qual o limite tolerável para a vida? Foram anos de avanço na medicina para que a expectativa de vida aumentasse e, agora, os idosos viram vilões exatamente por estarem vivos! Mais um paradoxo dos tempos modernos. Ou seriam tempos pré-históricos disfarçados de modernismo?

Qual é o limite e o preço de uma vida? Não chega a ser uma grande novidade, tão pouco, uma grande surpresa, mas ao ler a declaração de uma auxiliar do ministro da economia, senti enjoo. Senti um desgosto tão grande pela vida, como talvez nunca tenha sentido.

Que bom que os idosos estão morrendo, assim, em partes, a reforma da previdência vai se concretizando. Menos déficit previdenciário. Essa é a lógica do neoliberalismo. Se você tem mais de quarenta anos, cuidado, você já está chegando na linha limítrofe.

Estou cansado da falta de respeito, do desprezo, da indiferença, dos malabarismos linguísticos para dizer uma coisa bem simples e objetiva: a vida não importa. O lucro importa.

Estou cansado de pessoas lutando contra seus semelhantes, por estas tentarem se manter vivas. Querer viver virou uma questão partidária.

Ao invés de brigar por políticas públicas, as pessoas querem que o outro morra. É mais simples e mais rápido, sem grandes sacrifícios, sem contrapartidas.

Você pode querer vir argumentar que não é bem assim, que eu não estou bem, que estou sendo exagerado, mas vou ser bem sincero: eu não quero a sua opinião. Não hoje.

Estou cansado de me enganar, tentando sempre acreditar nesses pseudoargumentos. Os fatos são o que são, não há muito o que interpretar.

Estou cansado até do “vai passar”. Eu sei que vai, não sei se estarei vivo, mas vai passar, mas minha pergunta é outra: o que vai sobrar? Vai valer à pena estar vivo? Como será o convívio com pessoas que hoje, declaradamente, pouco se importam com a minha vida? Pior ainda, pouco se importam com a vida de qualquer um.

A escrita sempre foi a minha válvula de escape, minha forma mais intensa de expressão e hoje o que sinto é isso. Estou cansado, estou sem grandes esperanças. Ainda tento encontrar forças para continuar, tenho poucas, mas boas razões para isso, mas o esgotamento é inevitável.

Estou cansado.

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