A expressão “american dream”, em português literal, “sonho americano”, é um conjunto de traços e modos de comportamento (ethos), através do qual a sociedade americana acredita que as chances de crescimento, sucesso e prosperidade são iguais a qualquer pessoa, numa sociedade sem obstáculos, desde que essa pessoa trabalhe duro para isso.
O “sonho americano” tem raízes na própria declaração de Independência Americana, que diz que “todos os homens são criados iguais”.
Nesse ideal de oportunidades iguais, cria-se a ilusão de que todos temos chances iguais e, caso você não vença na vida, a culpa é somente sua, que não se esforçou o suficiente para isso. Dessa aberração conceitual, nascem muitos transtornos psicológicos, que por vezes, culminam no suicídio, ato maior do desespero e da frustração, por se considerar um autêntico incapaz.
No entanto, meu texto não vai falar sobre o sonho americano e, inicialmente, apenas fiz essas colocações para contextualizar o assunto e direcionar para o meu objetivo, que é o sonho americano tupiniquim, em resumo, o sonho americano que também nos venderam e que, diga-se de passagem, tem exatamente os mesmos objetivos.
O sonho americano tupiniquim quer fazer você acreditar que, caso você não prospere na vida, a culpa é única e exclusivamente sua, que não se empenhou e se dedicou de forma suficiente, não trabalhou 28 horas por dia, incluindo sábados, domingos e feriados e, portanto, você não é merecedor de nada e não tem que reclamar de nada, pois o imprestável é só você mesmo!
Claro que essa ideia é vendida com uma linguagem bem menos agressiva do que a minha, afinal, se o marketing fosse esse, ninguém compraria essa ideia. Para nossa sorte ou azar, os publicitários desse sonho conhecem bem a forma de nos vender essa ideia.
Essa ideia, nos tempos atuais, é vendida com o nome de empreendedorismo. É verdade que já faz algum tempo, mas em especial, nos últimos quatro anos, essa ideia está ganhando ampla divulgação, sendo inclusive patrocinada pela maior rede de televisão brasileira, com uma propaganda estilo chicletes. Creio que você já deve ter ouvido o famoso “VAE”, cujo slogan é o “Vamos Ativar o Empreendedorismo”, como se, simplesmente para isso, houvesse um botãozinho que você VAI lá, aperta e pronto, virou empreendedor.
Sabe a Ana? Pois é, ela mostrou que é possível, montou um plano de negócios e pronto: sucesso! A Ana é uma pessoa comum, humilde, mas que é um exemplo de vencedora na vida, que saiu da sua zona de conforto e hoje faz parte da elite desse país, afinal, é uma empreendedora de sucesso!
A Ana, enquanto empreendedora de sucesso, abriu sua microempresa, provavelmente uma MEI, e agora tem um CNPJ! A Ana agora já pode trabalhar duro, incluindo sábados, domingos e feriados, sem férias, sem décimo terceiro, sem fundo de garantia por tempo de serviço, mas a Ana é uma vencedora!
A Ana, com seu negócio de sucesso, até consegue manter sua família, afinal, sim, a Ana também é chefe de família! Outro exemplo, pois a Ana, além de empreendedora, também é um símbolo da resistência feminina!
Mas o que a Ana não contava é que chegaria um serzinho minúsculo, invisível a olho nu, mas que acabaria com o seu sonho de empreendedora. Esse serzinho, agora é o que chamamos de coronavírus. Isso mesmo, um vírus foi maior do que o sonho empreendedor da Ana, que do dia para noite, viu sua empresa ficar sem clientes, pois ela vendia salgados na rua, ou então, como gostam de florear os experts da área, a Ana tinha um quiosque móvel e, ao mesmo tempo que podia desfrutar do calçadão da praia, também trabalhava. Era quase um sonho!
Mas o sonho tupiniquim da Ana desabou, porque agora, sem ter direito a nenhuma garantia trabalhista, a Ana não tem como se sustentar e, muito menos, garantir a subsistência da sua família. A Ana está desesperada e está aguardando o auxílio emergencial do governo, que não tem muita pressa e está estudando, meticulosamente, todas formas de negar esse auxílio para a Ana, afinal, a culpa é dela se ela não se organizou o suficiente para fazer uma reserva de caixa para situações como essa!
A Ana, claro, é o personagem fictício que usei nessa minha narrativa, mas a Ana dá voz a milhares de pseudo-empreendedores, que são ludibriados com esse sonho americano tupiniquim!
Eu vejo, assim como você, todos os dias, as pessoas desesperadas para voltarem a trabalhar, afinal, sem trabalho, elas não têm como se manter. Empresários “de sucesso” da sua cidade, assim como da minha, já devem ter feito carreatas por aí, pedindo o fim do isolamento, pois não conseguem mais se manter e vão quebrar.
Esse é o ponto em que quero chegar. Se você se considera um empreendedor de sucesso, um ser especial só porque tem seu CNPJ, mas que não consegue ter estrutura para se manter por dois ou três meses, num momento de crise, eu preciso te dar uma notícia, que já sei, você não vai gostar: você não é um empreendedor, você só é um iludido que comprou o sonho tupiniquim, um “empregado autônomo”, que rala igual a qualquer outro assalariado, só que com um detalhe, sem garantia nenhuma.
Mas eu não estou te culpando não, você comprou o produto que quiseram te vender, você teve boa fé, eles é que não!
Quando você fala que não tem como se manter, eu não nego sua condição, até porque, acredite, eu já tentei também e quebrei a cara bonito. Me senti muito mal, afinal, eu fui um incompetente que não soube aproveitar a chance que o mercado estava me dado para fazer a diferença.
Não caia nessa! Esse sonho idealizado não existe, isso é um pesadelo meticulosamente planejado.
Quando “os esquerdopatadas comunistas” falam da necessidade de um Estado forte, sabe, preciso te contar, nós estamos falando disso! É esse Estado forte que teria condições de, em momentos como esse, garantir a sua sobrevivência.
Sabe aquela carga tributária absurda que você paga, todos os meses e que você reclama muito quando paga? Ela serve, entre outras coisas, para situações desse tipo! Mas o que eles fazem?
Nos manipulam e nos fazem sentir raiva de quem depende do auxílio, que são vagabundos. Te vendem a ideia de que esses vagabundos estão sendo sustentados pelo seu suor, pagador de impostos e que, portanto, você está falindo porque tem que dar dinheiro do seu rico trabalho para esses vagabundos ficarem em casa.
Ao fazer com que você classifique esses desvalidos de vagabundo, claro que você mesmo é que não vai querer fazer parte disso, portanto, nunca que você vai querer ter algum retorno do Estado, afinal, isso é símbolo de fracasso, tanto de pessoal quanto profissional e você, de forma alguma, é um fracassado!
Eu sei que você não vai concordar comigo, na verdade, escrevo mais para mim mesmo, como uma forma de organizar meus pensamentos.
Mas só preciso de lembrar que, diante dessa mesma crise que está matando milhares de fome e que vai quebrar muitas empresas sim, pois isso é um fato, o Governo liberou trilhões para os Bancos e estes, sem o menor pudor, aceitaram de bom grado. Não se preocuparam em ser chamados de vagabundos, não tiveram o orgulho imbecil que você está tendo, sabe por quê? Porque eles sabem que o papel do Estado é esse, mas claro, não vão divulgar isso, muito pelo contrário, vão pegar esse dinheiro, aliás, já pegaram, e vão cobrar as merrecas que você deve nos cartões, com juros extorsivos de forma impiedosa, afinal, você é que não se organizou e eles não tem nada a ver com isso.
O Estado forte, que falamos, refere-se a isso, meu caro. Um Estado que tenha condições de retribuir, em momentos de crise, com o mínimo da garantia para a sobrevivência digna dos seus cidadãos, afinal, ao trabalharmos duro, pagamos muitos impostos para isso!
Em tempo, não sou contra o empreendedorismo, mas não se iluda, você não tem as mesmas chances de qualquer outra pessoa, afinal, você acha mesmo que vai competir em pé de igualdade com o filho de um grande industriário, que estudou a vida toda nas melhores escolas, fez os melhores cursos superiores, fala diversos idiomas e já vai herdar, sem qualquer esforço, uma grande fortuna?
Um Eike Batista, quebrado, tem mais dinheiro do que você nunca, nem em sonho, vai saber o que é! Um Luciano Hang, demitindo milhares de pessoas pela crise, vai continuar rico e desfrutando de tudo o que de bom a vida pode lhe ofertar. E você?
Isso é o que chamamos de injustiças sociais e, contra tudo isso é que lutamos incessantemente, através de um despertar de consciências, que chamamos de consciência de classe, que muito provavelmente, você não deve fazer ideia do que seja, já que prefere defender os grandes, mesmo que para isso, tenha que ver seus sonhos indo pelo ralo do esgoto.
Mas não se preocupe, continue lutando contra o comunismo e contra o socialismo, pois é exatamente isso que esperam de você e, quando essa sua luta terminar, você será apenas mais uma baixa registrada no exército.
Provavelmente seu capitão te faça uma menção honrosa, ou não, já que você pode ser somente mais um ilustre desconhecido, um mero soldado, que entregou sua vida para defender a ambição de alguém que você sequer conhece.
Se eu pudesse te dizer algo, diria que lute essa batalha sim, mas lute do lado certo. Possivelmente, você não receberia nenhuma glória, mas estaria ao lado das pessoas certas, na hora certa. Mas quem sou eu para te dizer algo…