Saudosismo ou medo do futuro?

Facebook
Twitter
LinkedIn
WhatsApp
Telegram
Print

Gostou do artigo? Então compartilhe com seus contatos.

Estou numa fase saudosista da vida e, sem muitos floreios, não tenho o menor problema em admitir que a realidade está pesada, que estou com certa dificuldade em lidar em com ela e, portanto, estou me refugiando no passado.

Estou com medo do futuro, estou com medo das pessoas e até de mim mesmo, pois tem horas que não me reconheço.

Sou daqueles que acredita nas pessoas e, apesar de tudo, prefiro manter a fé na humanidade, mas já começo a pensar que talvez, eu esteja tentando me enganar.

Vivemos um período de maldades e crueldades que, particularmente, não me lembro de ter visto antes. Sei que a história é repleta de fatos estarrecedores, mas estou falando da minha experiência nessa vida.

A cada dia que passa sinto as pessoas perdendo a humanidade. Parece que estão se tornando imunes ao sofrimento alheio e nada mais tem importância, exceto os próprios interesses.

Não sei se estou preparado para viver num mundo tão cruel. Me sinto incapaz de conviver com tamanha frieza e insensibilidade, onde pessoas debocham de quem passa fome, zombam de quem não tem um lar e criticam o mínimo direito à saúde, através de medicamentos que podem ser cortados. Cada vez mais prefiro o isolamento embora saiba que isso é errado.

Dia desses, numa conversa no carro com minha esposa, em tom de brincadeira, disse que às vezes é preferível não conhecer as pessoas. Depois que falei fiquei pensando e concluí que eu não estava brincando, não.

Tem horas que eu prefiro ficar com a minha própria versão sobre o outro, sem dar espaço para que ele destrua aquilo que eu acho que ele é. Eu sei que isso é loucura.

Não aguento mais ver tanto ódio sendo destilado por qualquer coisa. Isso cansa, esgota e dá uma ressaca moral gigante. Por outro lado, o que fazer? Calar? Fazer de conta que nada acontece?

Seria a solução fácil, mas não nasci para ficar quieto. Todo dia eu falo que vou me envolver menos, mas quando me dou conta estou mergulhado até o pescoço.

As injustiças sociais me matam um pouco por dia e nunca vou me calar diante delas, ainda que isso custe a minha própria paz, afinal, como ter paz sabendo que um semelhante está morrendo de fome? Já o presidente diz que não há fome…

Mais que as injustiças sociais, me destrói mais ainda ver pessoas defendendo medidas que vão aumentar essas injustiças. Isso não cabe no meu parco entendimento de mundo.

Estar ao lado dos mais desvalidos dessa vida não é tarefa fácil, mas eu sei que esse é o meu lado, até porque, nasci nele. Não tenho vergonha alguma da minha origem humilde, de quem passou muitas necessidades e nunca teve uma vida tranquila.

Hoje, felizmente, tenho uma situação mais cômoda. Superei muita coisa, mas isso só serviu para me mostrar de onde venho e como sofrem aqueles que são ignorados pela sociedade.

O fato de eu ter superado muitos obstáculos não foi somente meu mérito, mas sim, também bondade de outras pessoas, que por vezes, nos deram até o alimento que estava faltando.

Há alguns dias um senhor de 72 anos foi morto enquanto estava participando de uma manifestação social. Esse senhor, repito, de 72 anos, estava lá, protestando por melhores condições para a comunidade onde ele morava, mas era um movimento do MST, portanto, segundo a lógica dos “pensadores contemporâneos”, uma coisa tipicamente de vagabundos.

Ele foi morto por uma pessoa que achou que esse protesto estava atrapalhando a vida perfeita dele e, com raiva, avançou com sua camionete por cima das pessoas, matando esse senhor e ferindo outros quatro.

Ver o deboche de alguns deixa a situação ainda pior. Esse senhor acreditava nas mesmas causas que eu acredito, ou seja, que o mundo pode ser menos pesado para todos, que as pessoas têm direito a ter um lar e alimento, mas alguém achou que ele não tinha esse direito e resolveu, literalmente, passar por cima dele.

Que mundo é esse? Que sociedade é essa?

Vão chover críticas, eu sei, afinal, como alguns gostam de dizer: “se estivessem trabalhando, isso não teria acontecido”. Mas a luta era para isso mesmo, para ter onde trabalhar e onde morar, com um mínimo de dignidade.

O senhor Luiz Ferreira da Costa deixou nove filhos. O senhor Luiz teve uma vida difícil, tanto que, com 72 anos, ele estava lutando pelo que acreditava e, com todo o esforço, estava comemorando o fato de ter acabado de ser alfabetizado.

São fatos como esse que me fazem ter medo do futuro, se é que ele existirá. Me dá medo saber que as pessoas, entre renunciar ao mínimo e ver o outro numa situação mais confortável, preferem não perder nada, ainda que isso implique que muitos vão ficar sem coisa alguma.

Precisamos nos cercar de pessoas boas, pessoas que façam a vida valer à pena, pois como bem disse Guimarães Rosa, “é junto dos bão que a gente fica mió”.

A cada dia que passa tenho mais convicção do meu lado nessa grande partida de futebol que se tornou a vida. Ainda bem que encontramos outras almas afins e que nos dão suporte, pois sem isso, não tem quem aguente.

Edmund Burke já disse que “para que o mal triunfe basta que os bons fiquem de braços cruzados” e, definitivamente, cruzar os braços diante de tudo o que está acontecendo, não é moralmente aceitável!

Só um lembrete, tenho certeza que você já ouviu esse dito popular, mas achei conveniente relembrá-lo: “caixão não tem gaveta”! O dia que você partir, você não vai levar nada dessa vida, então, por que tanta gana por dinheiro? Por que tanto egoísmo? Por que tanta falta de humanidade?

Você não vai levar nada, mas vai deixar, vai deixar seu legado, seu exemplo, aquilo que você fez ao seu semelhante, que pode ser algo bom ou ruim.

Não precisa responder para mim, até porque, você não me deve satisfação, mas se você partisse hoje, você teria orgulho daquilo que você estaria deixando?

Rolar para cima