O preço do nosso descaso político

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Relutei em escrever esse texto. Ao mesmo tempo que não quero entrar em embates desnecessários, me sinto um covarde ao me calar, afinal, quem cala consente. Penso se não relutei por autopreservação, mas aí penso que pode também ser egoísmo, afinal, estou pensando somente em mim.

O resultado é que estou escrevendo sobre política, mesmo tendo garantido que não mais o faria. Outra garantia que tenho é a de que serei apedrejado, afinal, se resolveram ensinar sobre nazismo para a Alemanha e criticar o Papa por falar em amor, imagine o que vai sobrar para mim.

Enfim, vamos ao que interessa: política. É comum ouvirmos pessoas falando que detestam política, talvez, por desconhecerem a essência da política e somente viver essa politicagem barata e vil que presenciamos. Somos seres políticos em essência, gostemos ou não.

Aristóteles, filósofo grego, nascido em 384 a.C. já afirmou que “o homem é um animal político”. A palavra político vem do grego politikos, que significa “relativo ao cidadão ou ao Estado”.

Com essa introdução, quero levá-lo a pensar na origem do termo, na sua essência, ou seja, tudo aquilo que diz respeito ao cidadão ou ao Estado, tudo aquilo que é inerente ao ser humano é um ato político. Daí Aristóteles afirmar que o homem é um animal político.

Ainda vou me ater um pouco aos conceitos históricos, pois os considero extremamente importantes para embasar minha linha de raciocínio. Ainda de acordo com Aristóteles, a política deve ser essencialmente unida à moral, porque o objetivo final do Estado é a virtude, a formação moral do cidadão. O Estado, portanto, torna-se um organismo moral, dando condição e suporte para a atividade moral do indivíduo.

A política, contudo, é distinta da moral e seu objetivo maior é o indivíduo. A ética é a doutrina moral e individual, ao passo que a política é a doutrina moral social.

Notem a importância do papel do Estado. É ele quem é o responsável pela virtude, pela formação moral do cidadão. O Estado, portanto, é superior ao indivíduo, logo, a coletividade é superior ao indivíduo e o bem comum, superior ao bem particular.

Notem a beleza e a profundidade dessas definições. Esses são os princípios fundamentais da política e do Estado e, em nada, sequer passam perto do que vivenciamos atualmente.

Antes de entrar nas particularidades do assunto, gostaria de deixar claro, embora tenho certeza, não adiantará, que não estou aqui para defender esse ou aquele candidato, nem tão pouco, para crucificar esse ou aqueloutro.

Se o seu argumento mais inteligente é taxar quem não concorda com seu pensamento de comunista, fascista, socialista ou qualquer outra “ista”, por favor, interrompa sua leitura por aqui e vá fazer outra coisa. Se você não tem maturidade para aceitar pensamentos diferentes do seu, idem, não perca seu tempo e nem me faça perder o meu, ao ler comentários depreciativos com argumentos pífios.

Isso posto, volto ao centro do meu conflito interno, das angústias que tomam conta dos meus pensamentos e sentimentos.

Sinceramente, acredito que nunca vivenciamos a política nesse estado de grandeza, talvez nunca venhamos a vivenciá-la, mas penso que é nosso dever moral, ao menos tentar fazer com que ela se aproxime disso.

Pode ser utópico, totalmente utópico, mas o papel do Estado não é o de privilegiar alguns em detrimento de outros, nem tão pouco caçar direitos por meras questões pessoais, religiosas ou qualquer outra que seja, afinal, lembre-se, a coletividade é superior ao indivíduo e o bem comum superior ao bem privado, ou seja, o interesse coletivo sempre deve ser o guia das ações de qualquer Estado.

O Estado, por sua vez, numa democracia, é representado por pessoas eleitas entre seus pares, cidadãos comuns, que assumiram perante a sociedade o papel de zelar pelo bem-estar comum.

Nossa Constituição, no seu artigo 5º, afirma que “Todos são iguais perante a Lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo aos Brasileiros e aos estrangeiros residentes no País, a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade”.

Novamente, não me iludo, não é isso que vemos e vivenciamos, nossa própria Constituição é rasgada o tempo todo, mas é nosso papel, mais que isso, é nosso dever ético, moral e cívico, fazer com que ela seja cumprida, seja por quem for, afinal, nossos representantes não são eleitos para fazer política à moda da casa, mas sim, para fazer cumprir aquilo que visa o bem da nação.

Não me estenderei em outros itens e garantias constitucionais, pois isso certamente daria um livro, que não é meu objetivo.

Um fato que vou também destacar é que os representantes eleitos são cidadãos comuns, pessoas escolhidas entre seus pares, para representá-los. Meu objetivo ao destacar isso é simples: quando você escolhe um candidato, seja honesto com você mesmo e admita, você o escolhe por afinidade de ideias, porque ele te representa e pronto.

Essa representação será tanto para o lado positivo quanto para o lado negativo. Se nos empenhamos na busca de uma sociedade melhor, escolhemos aqueles que representam esse desejo e que tenham ações que direcionem a sociedade ao progresso. Por outro lado, se não nos importamos, temos preguiça de mudança, não queremos grandes esforços, fatalmente elegeremos um salvador, que hipoteticamente, fará tudo aquilo que é nosso papel, mas que por preguiça e acomodação, pedimos para outro fazer, dando a ele plenos poderes para decidir tudo por nós.

Vamos falar um pouco em democracia, afinal, é o regime que vivemos e com o qual, espero viver por muito tempo, pois entre todos, com todos os seus defeitos, ainda é o melhor. É o melhor porque numa democracia todo o poder está nas mãos do povo, que elege sim um representante, mas para garantir que a vontade popular seja preservada.

Um dos maiores desafios de todo governante é o de manter a essência da política, além de garantir a democracia. Importante não confundir poder do povo com poder de uma parcela do povo. Interesse da coletividade com interesse de um grupo.

Um representante, seja qual ele for, será de certa forma um espelho da sociedade que ele representa. Ele refletirá os valores da sociedade, assim como, essa mesma sociedade se pautará pelas posturas e condutas daquele que, supõem-se, seja o guardião da Pátria, portanto, aquela cuja conduta deve ser seguida, senão por todos, mas ao menos pela maioria.

Essa talvez seja a beleza e a tragédia do jogo democrático, pois ao mesmo tempo que o espelho pode refletir valores nobres, também pode, num outro extremo, refletir aquilo que de mais sombrio e sórdido encontra-se escondido nos recônditos de cada cidadão, mas que se torna potencializado por uma figura eleita para representar e dar vazão aos sentimentos da coletividade.

Nesse ponto, podemos dizer que há a formação de um círculo virtuoso ou vicioso, a depender da ética de cada cidadão, que se somará a de tantos outros, formando um senso comum. Essa ética, por sua vez, é pautada nos valores morais da sociedade onde o indivíduo está inserido.

A moral é um conjunto de regras que essa sociedade aceita, são as regras de condutas, um conjunto de valores e princípios que regem a vida de um conjunto de pessoas.

Esses conceitos se inter-relacionam, já que a ética está diretamente relacionada a esse conjunto de regras e preceitos morais. Arrisco, dentro da minha ignorância, dizer que os maiores problemas enfrentados por uma sociedade, são aqueles que se originam de mudanças radicais na postura moral dessa mesma sociedade, ou seja, quando o conjunto de regras que norteiam essa sociedade são, por qualquer motivo, quebrados.

Uma sociedade minimamente civilizada jamais deveria aceitar a violência como algo natural, por exemplo. O direito inalienável à vida é um outro exemplo. Qualquer desvio no curso desses direitos não deveria ser tolerado, muito menos, aceitos como normais.

Sem exagero, penso que é um risco à própria subsistência humana quando invertemos os valores, pois saímos do caminho da pacificação e retrocedemos à barbárie.

O mecanismo é perverso, pois por inércia do próprio cidadão, a moral e a ética são relegados. A não preocupação com o bem coletivo vai abrindo espaço para que representantes nefastos ganhem espaço e apropriem-se do que não lhes pertence, ao passo que a sociedade, que é a principal interessada, esquece-se de fazer valer seus direitos mais fundamentais, seja por não conhecer esses direitos e garantias, seja por negligência ou simplesmente por não se importar.

Seja qual for o motivo, o preço desse descaso é alto. Aos poucos, quase que imperceptivelmente, essa sociedade vai adoecendo, lentamente entrando em colapso. A estagnação toma conta do cidadão, que vê sua vida escorrendo pelos dedos. A inversão dos papéis políticos é lenta, mas aos poucos, os representantes, que agora somente representam os próprios interesses, começam a oprimir cada vez mais o cidadão,  que por sua vez, já não possui mais discernimento para diferenciar e analisar a situação de forma isenta, pois a sua ignorância o levou a um patamar de apatia que ele abre mão da sua própria essência.

Subjugado e apático, o cidadão começa a perceber que sua situação não está bem, mas também não tem repertório para mudar, pois por tanto relegar seus direitos, já nem sabe mais o que pode ou não fazer e começa a criar uma perigosa dependência do Estado, achando que cabe ao próprio Estado decidir tudo sobre sua própria vida, desde o que ele ou os outros podem ler ou escrever, chegando até o nível extremo, onde ele entrega a esse Estado o direito de decidir até mesmo o que ele pode pensar ou falar. Essa dependência acaba assumindo a designação de censura, que é tão somente o desejo do próprio cidadão preguiçoso sendo atendido.

Estando perdido e insatisfeito, esse cidadão acaba por decidir que ele precisa que alguém resolva esse caos por ele, alguém que tenha a coragem de falar o que ele mesmo não tem, que tenha iniciativa para tomar atitudes que ele não tomou, para que alguém escolha o que ele mesmo não tem capacidade de escolher.

Quem esse cidadão vai escolher para fazer isso? Por ironia, a escolha é simples: o mesmo que o colocou nessa situação lastimável. O mesmo representante desonesto e nefasto, que se aproveitou da sua própria ignorância é o escolhido como o salvador, aquele a quem esse cidadão deposita suas últimas esperanças.

Não vai funcionar, é óbvio, pois esse representante apenas explora as fraquezas que ele mesmo ajudou a causar, portanto, sabe exatamente os pontos em que deve atacar. Essa estratégia é ousada, ao mesmo tempo cruel, pois seria algo como envenenar para depois vender o antídoto. Causar a dor para depois vender o analgésico.

Por ter o controle da causa, naturalmente esse representante saberá até que ponto pode administrar o remédio, que será o suficiente para que o cidadão perceba uma melhora relativa, mas também, para que não se cure, afinal, se isso ocorrer, ele não precisará mais de quem o medique.

Entramos em outro círculo vicioso, onde eternamente o mal é causado para promover a venda do bem. Obviamente, o vendedor do bem não assumirá esse papel de causador do mal e, com toda a desenvoltura, jogará essa responsabilidade para outro cidadão, seja ele uma minoria qualquer ou simplesmente alguém que possa ter uma visão um pouco diferente e que comece a vislumbrar o jogo de interesses por trás de tudo isso, esses, certamente, serão os primeiros a serem detonados.

O mal será sempre personificado em pessoas, pois pessoas podem ser exterminadas facilmente. Quando um grupo for exterminado, automaticamente outro assumirá o papel de algoz. Isso já aconteceu com as bruxas, com os negros, com os judeus, com os gays, mas observem, sempre o mal estará personificado, pois se o mal for pautado em ideias e comportamentos, a briga será interna, ao passo que se ele for personificado, basta acender fogueiras e espalhar discursos de ódio.

O verdadeiro causador do mal será tido como o grande salvador, o incansável e bravo guerreiro na luta contra o mal, mal esse que sempre existirá, pois rapidamente será personificado em outros grupos.

Quando você comprar essas brigas do bem contra o mal, procure refletir um pouco, pois a única coisa que você está comprando é o sangue de muitos inocentes em suas próprias mãos. Você pode até não ter essa ciência, mas lembre-se, também foi o seu próprio descaso que ajudou a criar tudo isso.

O grande salvador nada mais é do que o primeiro que deve ser combatido, na verdade, o segundo, pois o primeiro é a nossa própria ignorância e descaso.

O mal que eu ajudo a matar no outro é o mal que eu mesmo criei, no entanto, por puro instinto de preservação, ao invés de me matar, mato o outro, ou então, também por covardia, terceirizo o assassinato e vou me refugiar no imaginário do cidadão de bem, que luta pela defesa da justiça. Justiça essa que eu mesmo destruí quando joguei para os outros, aquilo que nem eu mesmo faço, mas que cobro do meu semelhante.

Para concluir esse meu pensamento, volto ao ponto de partida dessa discussão: o alto preço que pagamos por negligenciar algo tão importante em qualquer sociedade: a política e a democracia.

O poder vem do povo e é para o povo, portanto, somente quem tem o poder de mudar é o próprio povo. Não se iluda, essa mudança não se dará pelo simples fato de o povo eleger um Messias para salvá-lo, até porque, lembre-se, esse Salvador ajudou a criar o caos, junto com o nosso próprio descaso.

A única mudança possível é gradual, lenta, mas é a única realmente eficiente: a mudança individual, pois a medida que cada um se transforme numa pessoa melhor, aos poucos, a sociedade se transforma. Novamente, não tenhamos a ilusão, pois nenhum de nós verá essa mudança completa, porém, é necessário começarmos, agora, já!

Acreditar que um escolhido vá fazer isso é ser, mais uma vez, preguiçoso, irresponsável e negligente, assim como já o fomos quando deixamos de nos importar, seja com a nossa própria vida ou com as injustiças que fingimos não ver.

Veja o contrassenso: chegamos a esse nível de degradação pelo nosso próprio descaso e, agora, novamente relegando a outrem, acreditamos que tudo vai melhorar. Não sei se isso é ingenuidade ou desonestidade. Tendo a acreditar mais na segunda opção.

Finalizo reforçando que não estou defendo ou atacando esse ou aquele candidato, apenas chamando a atenção para algo muito maior do que essa briga ridícula e acéfala que se instaurou. A simplificação dessa questão é tão somente mais uma estratégia para personificar o mal em algo que possa ser eliminado, o problema é até quando vamos ficar eliminando pessoas, grupos, raças, crenças e quem sabe, um dia, a própria humanidade, pagando com a nossa própria vida o alto preço pela nossa ignorância e descaso.

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