“To be or not to be, that is the question”, talvez essa seja uma das frases mais traduzidas da história e uma das mais conhecidas, mesmo entre aqueles que nunca leram o dramaturgo, poeta e escritor inglês, William Shakespeare, que a escreveu na tragédia Hamlet, publicada no ano de 1603.
Essa frase abre as portas para muitos questionamentos e começo os meus exatamente com ela: ser ou não ser, eis a questão!
Mas ser o que? Acredito que esse questionamento já passou pela cabeça de muitos, já tirou muitas noites de sono e continuará a ser assim, talvez por toda a eternidade. O que somos? O que não somos? Somos o que gostaríamos de ser ou somos aquilo que os outros esperam que sejamos? De tudo aquilo que acreditamos, sentimos e agimos, o que é verdadeiramente nosso e o que são apenas conhecimentos e informações que replicamos, muitas vezes sem nem saber o motivo? Sim, esse meu texto começou com uma réplica, portanto, não estou fora desse questionamento, aliás, como já ressaltei na introdução, não pretendo responder a dúvida alguma, pelo contrário, apenas suscitar mais algumas.
O que somos depende muito daquilo em que estamos inseridos, daquilo que os outros esperam que sejamos. O que eu sou, no lugar onde me encontro, certamente não seria o que eu sou se tivesse nascido em outro país, com outra cultura, portanto, partindo desse princípio, posso dizer que eu sou o produto do meio onde me encontro, mas isso seria correto? Em partes acredito que sim, em outras não, absolutamente não, pois ainda que herdemos boa parte da nossa personalidade e racionalidade do meio onde estamos, acredito que temos algo essencialmente nosso, algo que nos pertence e a mais ninguém pertencerá e, talvez, esse “algo” seja a única coisa que realmente somos e a única coisa que realmente nos pertença. O restante pode ser simplesmente uma somatória de fatos, sentimentos, culturas e ações que vamos acumulando, interiorizando e assimilando e que podem ou não ser integrados à nossa essência, prova disso são os comportamentos com que convivemos todos os dias e, nem por isso, interiorizamos em nosso ser.
Mas voltando ao cerne da questão: ser ou não ser? Todos esperam que sejamos um monte de coisas, como por exemplo, boas pessoas, bons profissionais, bons pais, bons maridos, boas esposas, bons funcionários, mas já reparou que nunca somos bons o suficiente? Pelo menos, não na visão do outro. Podemos ser o melhor que conseguimos ser, mas sempre alguém vai se decepcionar porque esperava mais de nós. Realmente não somos ou somos quem podemos ser, como já diz a letra da música. Particularmente, acredito que somos quem podemos ser, somos o melhor que podemos ser e o meu melhor nem sempre é o melhor do outro e vice versa, mas isso, em absoluto, quer dizer que o meu melhor seja inferior, apenas é o que consigo no momento.
Acredito que boa parte dos problemas da atual sociedade advém da necessidade de querermos, o tempo todo, que o outro seja aquilo que não somos, aquilo que nem nós mesmos conseguimos ser e isso, por si só, já constitui uma série de erros, primeiramente porque não tenho que pautar os outros por mim e, segundo, porque se nem eu consigo, por qual motivo o outro teria que conseguir? Por eu achar que ele é melhor do que eu mesmo sou? É uma carga muito grande que jogamos nos ombros alheios e o pior é que eu, você e tantos outros, vamos aceitando essas cargas que não são nossas e isso vai gerando um grau de insatisfação absurdo, um grau de insanidade incomensurável e, talvez seja isso que vemos refletido na atual sociedade, cada vez mais desequilibrada e caminhando para o caos.
Ser ou não ser é a questão que nos pauta todos os dias, acordamos já pensando se seremos ou não um monte de coisas e vamos dormir pensando se, no outro dia, seremos isso ou aquilo, mas sempre estamos nos questionando o eterno ser ou não ser. A sociedade é cruel, ela cobra que sejamos tantas coisas e ninguém pergunta se você quer ou não ser aquilo e isso deveria ser constituído em grave crime contra o espírito livre que temos! Utópico? Certamente, mas nem por isso menos desejável. Eu, por exemplo, não me vejo enquadrado num monte de convenções sociais, as realizo, é fato, mas por mera necessidade de convívio social, pois isso me agride a alma, vai contra aquilo que eu sou e penso que é nesse momento que começamos a distinguir aquilo que realmente somos daquilo que querem que sejamos. Eu sou aquilo com o qual me identifico, eu sou aquilo que me dá prazer, eu sou aquilo pelo qual eu acordaria cedo todos os dias, em todos os dias da semana, sem reclamar, incluindo sábados, domingos e feriados, eu sou aquilo que me gera paz interior e que me acalma, eu sou aquilo que faço sem precisar tomar remédios para me entorpecer, eu sou aquilo que me faz livre. O restante? São meras convenções sociais que me obrigam a aceitar coisas que nunca fariam parte da minha pessoa, que ditam regras que não cabem nos meus padrões e sentimentos, que violam meu direito de ser. Veja só, talvez tenhamos “descoberto” a fonte de todas as doenças, tanto físicas quanto psíquicas: a violação da nossa personalidade, a violação do nosso ser.
Sinceramente, acredito que todos somos bons em essência, mas as circunstâncias sociais vão nos influenciando de tal forma que verdadeiros monstros são criados. O mais irônico? A mesma sociedade que cria o monstro, depois, com a maior naturalidade, o rejeita e o marginaliza, alegando que aquele monstro não se enquadra nos padrões sociais! Não é irônico? A pessoa se violenta e se molda para assumir uma personalidade que não lhe pertence, assume papeis que não são seus e tudo isso para se adaptar a um padrão, que é claro, vai destruir sua personalidade de tal forma que ela se tornará irreconhecível e, depois, como se não tivesse culpa alguma, essa mesma sociedade a ignora, com a aquela naturalidade: “não tenho nada a ver com isso”.
O outro lado da moeda? Sim, ele existe. Essa sociedade somos nós. Na mesma medida com que somos violentados, também violentamos e, com isso, geramos um ciclo ininterrupto de insanidade, de loucura coletiva, justificamos nossas falhas com as violências que recebemos e, como troco, também violentamos outros, gerando uma equação infinita. É muito comum ouvirmos as pessoas falando do país onde vivem, da sociedade, como se fossem seres à parte da criação, mas não somos! Somos o país onde vivemos, somos a sociedade em que convivemos e, se ela não está bem é porque nós também não estamos e é preciso deixar a hipocrisia de lado e abrir os olhos, enxergar o que esteve o tempo todo escancarado à nossa frente e que nunca tivemos a coragem de enfrentar.
Ser ou não ser, eis a questão. Por vezes fico tentando entrar na cabeça desses grandes pensadores que a humanidade já teve, tentando entender o que lhes passava na mente. Pode ser um princípio de loucura ou fuga da realidade, mas em algumas situações tenho a impressão de conseguir, de sentir a angústia com que trataram o tema, isso há séculos, milênios, mas essa angústia parece ainda ecoar pelo universo e, de alguma maneira, me sintonizo com ela. Somos o que? Sinceramente, tenho apenas vagas conjecturas, noções muito rudimentares do que somos, só tenho certeza de que não sou a pessoa como a qual me apresento.
Se estou mentindo? Depende do ponto de vista. Estou assumindo muitos papeis que esperam de mim, assim como de você e de todos os outros habitantes desse mundo, que certamente não representa o que cada um de nós é, mas sim, somente o que temos a fazer nesse momento, ou aquilo que esperam que façamos ou sejamos. Atualmente estou representando um papel, que nessa vida, por razões que desconheço, foi nascer no Brasil, estudar tecnologia e, por paixão, assumir o papel de professor, que talvez, de todas as minhas obrigações profissionais, seja a única que realmente sou. Se fazer tudo isso com a consciência de que não sou o que estou fazendo é mentir, então, a resposta para a pergunta inicial é sim, sou um mentiroso.
Muitas vezes sabemos exatamente o que não somos, mas saber o que realmente somos não é uma tarefa simples, pelo contrário, venho buscando essa resposta há muito tempo e talvez nunca a encontre, tenho alguns indícios, alguns nortes, mas acredito que ser ou não ser continuará sendo a eterna indagação da humanidade e, é claro, a minha também.
E você, já se questionou sobre isso? Ser ou não ser, eis a questão para você também.