O valor de uma vida

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Confesso, tenho perdido um pouco da minha paixão por escrever. É tanta coisa ruim acontecendo que fica impossível manter a mente receptiva a boas inspirações, motivo pelo qual tenho diminuído minhas publicações.

Por outro lado, embora o ânimo tenha diminuído, não dá para ficar completamente calado frente ao cenário caótico em que estamos mergulhando de cabeça.

Separei algumas notícias para comentar:

  • A tortura a que foi submetido o adolescente, de 17 anos, por furtar uma barra de chocolate no supermercado Ricoy, em São Paulo.
  • O pedreiro que morreu baleado, na laje de um bar onde trabalhava, na Vila Kennedy, Rio de Janeiro.
  • Os moradores de rua que foram agredidos por seguranças do metrô, também em São Paulo.

Confesso que essas três notícias, aliadas a tantas outras sandices, me deixaram bastante deprimido, sem esperança e, por favor, poupe-me dos discursos de que é preciso manter a fé, até porque, penso eu, a mudança deixou de ser uma questão de fé, mas sim, de ação imediata.

O que tira um pouco mais a minha esperança, além dos fatos, que por si só, são mais do que necessários para destruir qualquer otimismo, é ler os comentários das pessoas. Isso me desanima de vez!

Não tem chance de mudarmos, não tem chance de evoluirmos, ao menos, não nos próximos 200 ou 300 anos e não, não é exagero, mas sim o tempo necessário para que toda essa geração podre, que hoje infecta o mundo, já tenha morrido, assim como, todos os seus descendentes diretos, que ainda podem trazer no DNA o cerne da maldade, também já tenham morrido.

Às vezes eu tenho a impressão que o diabo deve ter dormido além da conta, tomou um porre, sei lá, mas deixou as portas do inferno abertas e uma leva de almas satânicas saiu correndo e veio para cá.

Dessa vez nem vou ficar argumentando sobre os motivos que levaram o garoto a pegar esse chocolate, até porque, de nada adianta mesmo, pois o cidadão de bem já deu sua sentença condenatória.

O fato: em pleno 2019 temos pessoas que acham normal chicotear uma pessoa, um adolescente e, que conste nos autos, um negro. A sociedade hipócrita e podre, até hoje ainda não engoliu a abolição da escravatura.

O desejo da maldita classe média e alta é sair de casa e ainda ver, pelas ruas, pelourinhos, onde os pobres que infectam as ruas, fossem açoitados, se possível, até a morte, pois seria um pobre a menos para depender do Estado.

Essa última colocação eu li no comentário de um típico cidadão do bem. Resumindo, o pobre é só um elemento que atrapalha o Estado, que tira o recurso que ele, cidadão exemplar, deveria ter, mas que é destinado para esses vermes que acabam consumindo recursos desnecessários, portanto, a morte seria uma solução viável, talvez até necessária.

Como acredito na reencarnação, tenho certeza de que tanto Hitler, quanto tantos outros nazistas, estão entre nós.

O clichê é o de sempre: “se ele estivesse trabalhando, nada disso teria acontecido”. Pois bem, pegando gancho nessa fala, vamos ao próximo item.

José Pio Baia, 45 anos e há 22 anos morando na cidade do Rio de Janeiro estava trabalhando. Morreu alvejado por tiros enquanto segurava um martelo e um prego nas mãos, não teve tempo sequer para terminar o que estava fazendo.  José estava preocupado com a violência e estava planejando voltar para sua cidade natal, Cachoeira Alegre, interior de Minas Gerais.

Cidadão trabalhador, pai de cinco filhos, José trabalhava para dar o melhor aos seus, queria pagar a faculdade da filha mais velha, para que ela tivesse um futuro melhor do que o seu.

Em nota oficial, a PM do Rio de Janeiro diz que havia um confronto na área. José foi mais um caso de efeito colateral, mas tudo bem, a morte de alguns inocentes pode ocorrer e o Governador até já se desculpou antecipadamente, por ocasião de outra morte, também de um inocente.

Vamos aos comentários que me chamaram a atenção: “o cara queria melhorar de vida e vai para o Rio de Janeiro?”, e o clássico, “quem é que garante que foi a polícia que atirou?”

Até onde consta, ao menos oficialmente, o Brasil não é uma zona de guerra e não há nenhuma recomendação oficial para não residir no Rio de Janeiro, então, essa foi a escolha dele, até mesmo, imagino eu, pela proximidade com seu Estado Natal.  Mas vamos destacar, para esse típico cidadão do bem, o José não morreu pela falência completa do Estado brasileiro, ele morreu por uma escolha errada que ele fez há 22 anos, quando se mudou para o Rio de Janeiro.

Quanto a garantia de quem atirou, creio que ela foi dada pela própria polícia, que tentou alterar a cena do crime, recolhendo as capsulas deflagradas. Pegando carona na fala que impera: “quem não deve, não teme”, não é mesmo?

Por último, mas não menos trágico, foram divulgadas hoje, imagens onde seguranças do metrô de São Paulo, covardemente, diga-se de passagem, agridem moradores de rua que estavam dormindo na estação.

Estava frio na hora e essas pessoas, por terem sido relegadas à própria “sorte”, buscaram ao menos se esconder do vento, mas elas não podiam ocupar o espaço dos demais, afinal, esses moradores de rua sequer são considerados gente!

Vamos as considerações sobre a opinião de alguns cidadãos do bem sobre o assunto: os seguranças estão certos, afinal, metrô não é albergue e, se deixar, logo aquilo vira uma “cracolândia”. Já outro, com um certo tom de sensatez, pondera que a situação é complicada, pois também não é legal ser incomodado pelos moradores de rua.

Mais uma vez as reencarnações de nazistas querem promover a política eugenista de Hitler, limpando o mundo da escória, afinal, sem esses seres que infectam as ruas, o mundo seria muito melhor, não é mesmo?

O que temos em comum nesses três casos? A morte como solução. Hoje a melhor política social é a morte do pobre. Quanto mais pobres mortos, melhor!

Pobre dá despesa ao Estado, pobre infecta as ruas, pobre só gera problema sociais, porque sai da senzala e vai ter a audácia de ir para as ruas onde existem lindas casas da classe média alta. Pobre polui um ambiente bonito, mas que se desvaloriza com a presença de moribundos pedintes, pobre incomoda o cidadão, que de barriga cheia, despreza e tem nojo daqueles que passam fome.

Para completar, obviamente eu não poderia deixar de lado a responsabilidade do atual governo que, com suas declarações imbecis, legitima todos esses e tantos outros atos de violência que ainda vão ocorrer.

A postura do presidente dá voz a essa legião de seres doentes, que tomaram conta desse país, como um câncer a nos corroer nossas estruturas!

Não tenho mais esperança alguma de ver esse país diferente, não vou ter tempo de vida para isso. Não é drama, é constatação, pois o estrago que está sendo feito vai perdurar por gerações e gerações, tal qual uma maldição, para que as futuras gerações se lembrem do quanto o ódio é destrutivo.

A única coisa que ainda deixa meu coração um pouco menos angustiado é saber que estou do lado dos que sofrem. Agradeço a Deus por não fazer parte dessa orla maléfica! Tenho meus defeitos, mas não perdi a humanidade da minha essência.

Ver a fome, a pobreza, a violência e a banalização da vida é algo que me destrói por dentro, lamento pelo rumo que a humanidade decidiu trilhar e, enquanto eu tiver forças e estiver vivo, estarei na direção oposta desse caminho.

Seguindo um pouco dos ensinamentos de Jesus, de quem tanto se fala mas, paradoxalmente, tanto se renega, se eu tiver que morrer por uma causa, que seja entre os pobres e os ladrões, assim como Ele o fez, pois são esses que precisam da nossa compaixão e do nosso apoio.

Me conforta saber que o último suspiro de Jesus foi entre os desvalidos e relegados dessa vida, mas ao mesmo tempo, me frustro, pois passados mais de dois mil anos, muito pouco evoluímos.

Espero continuar sendo chamado de esquerdopata, de petralha, de comunista, de socialista e todos os demais adjetivos que estão na moda, porque enquanto isso estiver acontecendo, vou saber que continuo no caminho que meu coração indicou, o caminho da defesa do lado mais frágil, do lado mais sofrido e do lado daqueles que já foram relegados pela sociedade há tempos, mas que agora, além de relegados, também passaram a ser alvejados, literalmente falando.

Essas vidas me importam. Essas vidas me estimulam a continuar. Essas vidas têm valor, um valor que nenhuma maldita moeda será capaz de precificar. Essas vidas justificam continuar na luta!

Você também pode ouvir esse texto no formato de Podcast:

 

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