O descaso que nos condena

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Diante de toda a estarrecedora situação que estamos vivendo, venho pensando muito, em muitas coisas, dentre elas, em como deixamos as coisas chegarem ao ponto que chegaram e, pior que isso, como isso já parece não incomodar tanto mais.

Me veio à mente a canção “Metal Contra as Nuvens”, gravada pela Legião Urbana, em 1991, uma das minhas favoritas, diga-se de passagem. Um trecho da letra talvez tenha trazido a resposta que eu procuro e vou reproduzi-lo aqui: “É a verdade o que assombra. O descaso que condena. A estupidez o que destrói”.

Três frases curtas, mas que encerram e resumem muito daquilo que hoje vivemos:

“É a verdade o que assombra”. Nos dias de hoje, a verdade tornou-se um verdadeiro fantasma e, em dado momento, já sequer mais sabemos o que é verdade e o que não é. Em quem ou no que podemos acreditar? Mais que isso, existem versões alternativas para várias verdades, que pode ser, simplesmente, a que melhor me convém, ou então, aquela que mais prejudica meu opositor, independente dela ser ou não verdade.

A verdade já não interessa, vamos de “fatos alternativos”, pois esses são bem mais convenientes. Para tal, abundam-se os eufemismos, que são ótimos, pois permitem mascarar grandes mentiras como verdades e grandes verdades como mentiras.

Antigamente, dizia-se que contra fatos não haviam argumentos, mas até isso hoje mudou, uma vez que os fatos não passam de meras provas circunstanciais, que nada provam, pois, a verdade passou a ser manipulada de forma que somente a minha verdade é o que vale. O único problema é que todos pensam da mesma forma, mas para resolver essa equação, aparentemente sem solução, é que os “fatos alternativos” foram criados.

“O descaso que condena”.  Muito do que hoje sofremos não é castigo divino, obra de políticos corruptos ou qualquer outra desculpa que se queira dar. Sofremos hoje o preço pelo nosso próprio descaso. Sabe aquelas frases clichês, como por exemplo: “política não se discute”, “religião não se discute”, “em briga de marido e mulher não se mete a colher”, além de tantas outras. Foi o nosso descaso, o espaço que lentamente fomos cedendo, o terreno fértil onde fomos plantando as ervas daninhas, que hoje estão por todos os lugares, sufocando um terreno antes produtivo, mas que hoje parece sem salvação.

Nada pode ser mais danoso do que a indiferença, pois quando não nos importamos, dizemos ao outro que ele pode fazer o que quiser, pois não nos importamos. Como não nos importamos, vamos dando poder ao outro, que vai crescendo, ganhando forças e, quando queremos retomar as rédeas, já pode ser tarde, pois nossas forças são inferiores ao monstro que criamos.

Temos o direito ao silêncio, temos o direito à omissão, mas quando optamos por usar esse direito, automaticamente abrimos mãos de outros. Esse é o preço que hoje pagamos e que ainda pagaremos por anos, décadas, quem sabe, séculos. Não é pessimismo, é fato, afinal, a omissão ainda corre solta na grande maioria, que simplesmente “não se importa”.

“A estupidez o que destrói”. Para mim, a estupidez é uma das principais causas de todas as mazelas que nos atingem. E como existe estupidez! A estupidez mata todos os dias no trânsito, a estupidez faz projetos brilhantes fracassarem, a estupidez cega e não nos deixa ver o óbvio.

A estupidez, via de regra, anda de mãos dadas com a mediocridade, que parece ser a regra, o status natural da maioria das pessoas, que aceitam a estupidez e praticam a mediocridade quase que como sua filosofia de vida.

Mentes medíocres criam cidadãos estúpidos, que ganham cada vez mais espaço, graças ao descaso de quem não se preocupa com a verdade e aceita a mediocridade como princípio, meio e fim, de uma sociedade cada vez mais imbecilizada.

Toda essa estupidez e mediocridade podem ser facilmente observadas nas discussões que permeiam os assuntos mais sérios da nossa atualidade. O nível das discussões não é, sequer, simplista, é débil mesmo. Uma debilidade que vai corroendo o senso comum, nivelando a sociedade pelo que de mais baixo se pode supor, mas quem se importa?

As mentes medíocres parecem ter um encanto, pois conseguem envolver aos que estão ao seu redor, talvez, até porque, os que estão ao redor já tenham sido contaminados pelas ervas daninhas, que vão corroendo o senso crítico e os estupidificando, passando a impressão, por vezes, de os terem se transformado numa grande massa de acéfalos.

No ponto em que chegamos, já duvido das minhas verdades e, sequer, consigo saber se o fato de ter essa consciência é uma bênção ou um castigo. Não tenho dúvida de que ser um alienado é o caminho mais fácil, certamente nunca o mais correto, mas o que menos dor causa.

Fica uma pergunta para reflexão: o que vale mais, a consciência ou a bênção da ignorância, por vezes, transmutada em felicidade? Não tenho a resposta.

Metal Contra as Nuvens – Legião Urbana

 

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