Por vezes nos achamos indestrutíveis, intocáveis e podemos ter quase certeza de que nada vai nos acontecer, principalmente enquanto somos jovens, mas aí vem a vida e dá as cartas, mostra quem está no controle e, definitivamente, não somos nós.
Eventos trágicos sempre causam comoção, seja de um personagem famoso ou de um ilustre desconhecido ao grande público, mas o sentimento é sempre o mesmo, a compaixão, a dor, o aperto na garganta. A vida é muito frágil, nos escapa pelos dedos em questão de segundos, em situações totalmente estúpidas e, talvez, essa estupidez é que nos cause tamanho rebuliço na alma.
Diante das tragédias do cotidiano, sempre nos questionamos muitas coisas: o que estamos fazendo da nossa vida? Amamos o suficiente? Vivemos o suficiente? Fizemos o suficiente? Acredito que as respostas a essas perguntas serão sempre negativas, afinal, sempre temos mais algo a fazer, temos planos, sonhos, objetivos, mas nesse meio tempo chega a morte, sorrateira, silenciosa, cheia de artimanhas e estratégias e nos convoca para a viagem. Opções? Negociações? Suborno? Nada! Ela é implacável, quando chega, não tem conversa, não tem argumentação, apenas a opção de cumprir sua fria, impessoal e democrática determinação, afinal, um dia ela chega a todos e agirá sempre da mesma forma calculista, imparcial e implacável.
O que nos comove tanto? Egoisticamente, arrisco meu palpite: o que nos gera tanto desconforto nem é tanto a morte do outro, que naturalmente sentimos e sofremos, mas é o medo de que podemos ser os próximos! Quais garantias temos? Nenhuma, a Sra. Morte tem aversão a burocracias, não se prende a termos contratuais, gosta de agir com liberdade e, quando ela chega, na hora que bem entender, faz o que bem quer. Essa impotência talvez seja o que nos incomode, pois gostamos de sentir que temos controle, mas não temos e isso dói.
Sempre que a morte passa por perto de nós, de alguma forma, ela nos faz pensar, pensar se vale a pena brigar tanto, discutir tanto, trabalhar tanto, sempre ter que ter razão, sempre ter que dar a última palavra. Para quê? A última palavra sempre será dela, da Sra. Morte, sempre foi assim e sempre será. Eu acho que, por vezes, a morte nos assombra só para nos lembrar desses fatos, pois é natural que a comoção passe logo e voltamos a rotina, embora tenhamos prometido que mudaríamos, mas não mudamos, então, vez ou outra ela vem fazer uma visita na casa de um amigo, de um colega de trabalho, de um familiar, ao melhor estilo “estou de olho em você!”, até que um dia ela chega à nossa porta e, com o seu mandato de condução coercitiva, nos obriga a acompanhá-la.
Melhor mesmo é não guardar mágoas, rancores, pelo contrário, deixar sempre as pessoas com um sorriso e uma boa impressão, afinal, pode ser a última que ela terá de nós. Sempre que sentir vontade, diga um “eu te amo”, pode ser a última vez. Abrace, beije, viva enquanto houver tempo.
Se tenho medo da morte? Da morte em si, não, tenho minhas crenças, mas é claro que sempre vou achar que ainda não terminei tudo o que tenho para fazer, que sempre vou pensar em quem vai ficar, em quem vai sentir minha falta, em quem vai sofrer, mas nem nisso posso interferir a não ser, enquanto aqui estiver, demonstrando meu amor e meu respeito, pois será a única coisa que a Sra. Morte vai me permitir deixar por aqui, aquilo que no coração das pessoas eu plantei, seja essa plantação de amor ou de ódio, mas será apenas isso que restará de nós. Sendo assim, que seja o amor, que seja o sorriso, que seja a alegria.
Ainda assim, não ganharemos, mas vamos dar uma sacaneada na morte, pois nos manteremos vivos nas lembranças dos nossos amigos, nos bons momentos que compartilhamos, nos sorrisos espontâneos e escandalosos que tivemos, nos abraços apertados e nos beijos apaixonados e isso, de alguma forma, trará conforto a quem ficar e também nos dará paz no momento da partida.
Vento no Litoral – Legião Urbana