Viajei, nos dois sentidos. Viajei para São Paulo, de ônibus, para concluir um curso e, ao embarcar no ônibus, viajei em minhas divagações…
Quem já teve o prazer de fazer uma viagem de coletivo, já passou pela situação de ter que preencher a passagem, antes do embarque. Já levei a minha preenchida, mas nem por isso deixei de notar, não pela primeira vez, é verdade, mas dessa vez, com um olhar mais crítico, a correntinha que prendia a caneta na bancada onde a passagem poderia ser preenchida, por aqueles que não se atentaram antes, mas que tiveram que fazer, pois foram barrados no embarque. Essa correntinha é famosa, não é privilégio das rodoviárias, mas dos bancos, lotéricas e qualquer outro lugar, onde uma caneta seja ofertada ao público, como cortesia, para alguma coisa. As pranchetas para assinatura, são outros exemplos, pois sempre que a lista chega, junto tem uma caneta presa a uma linha. Bom, essa parte creio que já ficou clara. Vamos para a outra viagem.
Como o caminho era um pouco longo, sobrou tempo e isso é perigo. Fui pensando na correntinha, na verdade, no significado dessa corrente, que ao mesmo tempo que prende o objeto, também nos acorrenta a uma falha ética e moral gigante. Viajei, eu sei, mas fiquei pensando no quanto um gesto, aparentemente simples, pode representar tanta coisa sobre a nossa personalidade.
Para que serve a correntinha da caneta? Para impedir que o objeto seja roubado! Mas qual o valor desse objeto? Fui pesquisar isso também. Considerando aquela caneta mais conhecida e famosa, se você comprar uma caixa com 50 unidades, vai pagar R$ 0,54 em cada uma. Nós precisamos criar mecanismos para nos defendermos de roubos que custam R$ 0,54! Não é para se pensar?
Não é o valor, de longe a questão é o valor, mas sim, o ato em si! Por que alguém tem que se apropriar indevidamente de um objeto que custa centavos? Penso que pelo prazer que se deve sentir ao roubar esse objeto, porque me recuso a acreditar que seja pelo valor irrisório, mas é a satisfação de ser um contraventor. Eu sei, você deve estar aí pensando que eu sou muito chato para pensar nisso e que não dá para se comparar o roubo de uma caneta ao roubo de bilhões, que vemos todos os dias pelos noticiários. Eu digo é que não dá para punir da mesma forma, mas comparar, dá sim.
São os pequenos gestos que demonstram nosso caráter, goste você ou não daquilo que estou dizendo. Se você acha normal roubar uma caneta, um copo num bar, um talher num restaurante, pode me execrar pelo que vou dizer agora, mas você não tem moral nenhuma para reclamar da corrupção do país, pois você age da mesma forma e, dessa vez, não serei sutil nas minhas colocações e nem me utilizarei de eufemismos, pois tem horas que o que precisamos é de um choque de realidade mesmo.
Todos nós estamos assistindo a crise de segurança que vive o Estado do Espírito Santo. “Crise de segurança” já é um ótimo eufemismo, pois a crise não está na segurança, está na moral das pessoas que estão se aproveitando de um problema para, descaradamente, cometer atos infracionais. Se precisamos de polícia o tempo todo nos vigiando para não cometer crimes, então somos o que senão criminosos reprimidos? A ocasião não faz o ladrão, o ladrão já existe e, dentro da ocasião, encontra a oportunidade perfeita para cometer seus crimes! Acredito piamente que precisamos deixar as sutilezas de lado e encarar a grave crise ética e moral que vivemos.
Não precisa vir se justificar para mim, até porque, não estou aqui acusando nominalmente ninguém, mas não sejamos ingênuos, nem todos são honestos e dignos e é um bom começo enxergar isso.
Hoje pode ser uma caneta, amanhã será um bloco de papel, depois de amanhã, quem sabe, uma taça de um bar, depois, os talheres de um restaurante e, futuramente, por que não, um caixa eletrônico ou os cofres públicos, caso a oportunidade surja? Passou da hora de deixar a hipocrisia de lado e jogar toda a culpa sobre os políticos, afinal, quem são os políticos senão parte da sociedade que hoje ocupa um cargo de poder?
Cansei de ouvir pessoas dizendo que, se tivessem a oportunidade de estarem “lá em cima”, fariam a mesma coisa. Não ouvi isso uma vez, mas centenas de vezes! Então, reclamamos do que, mesmo? Talvez, a maior indignação, seja pela inveja de não ter a mesma oportunidade que o corrupto teve, concluo.
Não entrarei nas questões que levam a pessoa a isso, mas vou focar em outro ponto, que é o discurso, com o qual concordo, de que toda pessoa tem que ter uma oportunidade. Pois bem, comece mudando esses padrões, aproveite a oportunidade que a vida te coloca todos os dias nas mãos e seja honesto, ainda que ninguém veja, mas faça um mundo diferente, mesmo que seja “só” o seu mundo, mas já será muito. Acredite nisso!
Nunca, jamais, em hipótese alguma, tolere esses pequenos furtos como coisas naturais, pois não são! Se precisar e não tiver como comprar, peça, pois é muito mais digno e não te torna um ladrão, pelo contrário, te torna uma pessoa humilde, que aceita suas limitações, mas que acima de aceitar, luta para mudá-la. O não diante de um pedido pode doer, pode machucar, mas nada tirará a sua paz de espírito de a noite, ao se deitar, ter a consciência tranquila. Já passei por muitas dificuldades nessa vida, acredite, eu sei do que falo, não é mero discurso, mas se tem algo do qual me orgulho e que nunca ninguém vai poder tirar, é essa consciência tranquila. Também não me julgo melhor ou superior a ninguém, pelo contrário, sei dos defeitos que tenho, mas sou um eterno indignado com esse caos que está se instaurando no mundo!
Enquanto precisarmos de correntinhas para prender objetos, não tenhamos esperanças de ter um mundo mais justo, pois ainda estamos presos a uma outra corrente muito mais forte, que nos aprisiona ao nosso lado mais obscuro e sombrio, que nos aprisiona a nossa falta de princípios e, nesse sentido, não tem correntinha que resolva.